Sempre penso o quanto é difícil falar sobre ensino e gramática da língua portuguesa. Digo isso porque muitos professores fazem do ensino gramatical um verdadeiro calvário para os estudantes. Exigem que eles decorem regras, metodologia arcaica, complicada e pouco produtiva. Esse ensino induz o estudante a odiar o ensino gramatical e, por conseguinte, o professor. Mas não deve ser sempre assim e, por isso mesmo, os estudos não podem parar, é preciso divulgar alguns pensamentos assentados em pesquisas, com fundamentação teórica alternativa, sem deixar, todavia, de ser consistente, sem o que seria impossível, inclusive, escrever este texto.
Defende-se o ensino da gramática para o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita, em todas as disciplinas, para o sucesso do ensino em todas as áreas do conhecimento. Escuta-se, dos professores de ciências exatas, por exemplo, que a grande dificuldade dos alunos não é o conteúdo em si, mas a compreensão dos enunciados. Isso implica, logicamente, no problema de leitura que passa, certamente, pelos caminhos da gramática da língua. Portanto, essa reflexão se pautará nos seguintes conceitos políticos correntes de gramática, tal como são traduzidos por Sírio Possenti (POSSENTI, 1983):
Gramática – conjunto de regras para quem quer falar e escrever corretamente; (corresponde à gramática normativa).
Gramática – conjunto de regras sistematizadas por um teórico a partir da coleta e análise de dados de uma determinada variedade linguística; (corresponde à gramática teórico-descritiva).
Gramática – conjunto de regras utilizadas pelos falantes para atender às necessidades de interação. (corresponde à gramática implícita ou internalizada por cada falante).
Sabe-se que todo o ensino da gramática está assentado sobre o “falar e escrever corretamente” e nas descrições metalinguísticas da gramática teórico-descritiva. Ensinar a falar e a escrever, corretamente, seria aprender as regras da gramática normativa e um rol de nomenclaturas. A gramática implícita é considerada um conjunto de desvios, uma vez que não atende às regras pré-estabelecidas nas gramáticas 1 e 2. Saber português, pois, é saber regras de acentuação, ortografia, reconhecer categorias gramaticais e funções sintáticas, dentre outros aspectos. Diante dessas considerações, essa abordagem está centrada em duas perspectivas: a científica e a ideológica.
Do ponto de vista científico – a gramática normativa é conjunto de regras para o bem falar e escrever, que são avaliações subjetivas, porque em nenhuma outra ciência se encontra tal modelo de avaliação. Imaginem um biólogo dizendo que as células humanas são boas e as células de uma vaca não são, ou um geógrafo dizendo que um continente é melhor do que outro. No mínimo, a pergunta a ser feita é: o que é falar e escrever bem?
O falar em si atende à necessidade que todo falante tem de interagir com outro, constituindo uma prática social própria de todas as comunidades humanas. Logo, falar e escrever bem, mesmo apoiando-se nos “grandes escritores”, não é corroborado pelos princípios científicos. Uma atualização do conceito de gramática normativa deveria ser “um conjunto de regras de uma variedade linguística, a padrão, para fins pedagógicos”.
A gramática descritiva, ainda bastante presente no conteúdo de ensino língua portuguesa, nas escolas, é o resultado de uma metodologia fundamentada em determinadas correntes de investigação sobre a linguagem: comparativismo, estruturalismo, gerativismo, funcionalismo. Todo objeto de investigação é descrito através de uma linguagem especializada, a descrição gramatical caracteriza-se, também, por uma metalinguagem.
Ponto de vista ideológico – Olha a gramática numa perspectiva ideológica, na busca de identificar quem produz o discurso e para quem ele se destina. Assim, esse modelo de estudo separa o uso do padrão culto da língua de outros padrões linguísticos menos privilegiados. Todavia, aqui, a separação entre a variedade culta ou padrão das outras é tão profunda devido a vários motivos. A variedade culta é associada à escrita, à tradição gramatical, é inventariada nos dicionários e é portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. Existe, aqui, o padrão coloquial e popular, a depender da camada social. Mas nisso tudo entra a norma padrão para disciplinar, não deixar que as pessoas transformarem a língua numa barbárie.
A vinculação da gramática à escrita diz respeito a uma tradição que consiste no registro e sistematização de uma variedade eleita como padrão pela classe que detêm o poder, e cujo objetivo é a comunicação entre os membros dessa classe, através de um código específico que exclui a classe estigmatizada de dominada. O argumento utilizado para justificar a gramática é a legitimidade dos valores de uma cultura que caracteriza uma identidade nacional. Por isso talvez, numa pesquisa realizada por pesquisadora da Universidade Federal Fluminense – UFF, para saber qual a língua padrão brasileira, obteve como resposta a variante do Jornal Nacional. É um tipo de linguagem correta, porém objetiva e precisa que todas as camadas da sociedade entendem.
Os discursos sobre a gramática implícita também têm um cunho ideológico. Os alunos das classes menos favorecidas aprendem a variedade não padrão, conhecendo, portanto, uma gramática que não está de acordo com o padrão linguístico estabelecido. Dessa forma, os conceitos de “certo e errado” passam a prevalecer no espaço escolar. Quem não fala como no padrão estabelecido fala errado, ou seja, a grande maioria do povo não sabe bem falar o idioma português.
Essas considerações servem, inicialmente, para dizer que será a leitura e a escrita que ajustarão o uso das variedades linguísticas e também conduzirão os falantes à compreensão de quando empregar uma ou outra forma, um ou outro padrão. Diria não existir “certo e errado”, mas “adequado e inadequado” ao contexto. Serão os caminhos da leitura/escrita que possibilitam o exercício eficiente das normas gramaticais e dos padrões linguísticos que conduzirão o escritor/leitor ao bom e adequado uso do idioma pátrio.
DICAS DE GRAMÁTICA
Uso de “A” ou “HÁ”.
– O HÁ indica tempo que já passou, como no exemplo: “Eu parei de fumar há algum tempo”.
– O A indica o tempo que ainda vai passar, como no exemplo: “Daqui a alguns anos, eu morrerei”. Mas não irei contente, almejo a longevidade.
Dica 2 – Uso de “A CERCA DE”, “HÁ CERCA DE” ou “ACERCA DE”
– A CERCA DE indica distância, como na frase “Trabalho a cerca de 10 quilômetros da minha casa”;
– HÁ CERCA DE indica tempo aproximado, como no exemplo “Te conheço há cerca de 20 anos”
ACERCA DE é o mesmo que A RESPEITO DE, como no exemplo “Na reunião falamos acerca de seu desempenho”.
Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras e Membro da Academia Brasileira de Filologia.