X

A questão do Acre no The New York Times (Parte 6)

As disputas diplomáticas, políticas e econômicas envolvendo os governos do Brasil e da Bolívia e investidores Americanos e Europeus relativas ao controle do Acre foram objetos de várias notícias no mais importante diário americano, o “The New York Times”. Como os textos são muito antigos e foram publicados originalmente em inglês, resolvemos selecionar e traduzir alguns que reputamos importantes para os interessados na história do Acre. Para facilitar o entendimento de alguns fatos narrados, comentários explicativos estão adicionados entre colchetes.

ALERTA AOS INVESTIDORES

Alemães são aconselhados a deixar o Bolivian Syndicate sozinho. Ministro brasileiro alerta que o território acreano ainda é objeto de disputa.

Berlin, 14 de junho de 1902 – O embaixador brasileiro na Alemanha, Barão do Rio Branco, emitiu uma advertência a financiadores alemães interessados em investir recursos financeiros no BolivianSyndicate porque, como ressalta, os limites de fronteira do Acre com o Brasil ainda são incertos. O Brasil e o Peru estão reivindicando e ainda estão negociando com a Bolívia sobre o assunto.

[Nessa época o Barão do Rio Branco era o representante diplomático do governo brasileiro na Alemanha. O fato de estar na Europa e ter tido a oportunidade de observar as ardilosas negociações dos capitalistas americanos para viabilizar diplomaticamente o Bolivian Syndicate no Acre, provavelmente foi o estopim que levou o mais famoso diplomata brasileiro a se dedicar de forma tão intensa à questão do Acre assim que assumiu, em dezembro de 1902, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil].

Tentativas do The New York Times de contatar empresários em Nova Iorque investidores do Bolivian Syndicate foram infrutíferas porque a maioria encontrava-se fora da cidade. Arthur S. Fairchild,da empresa de investimentos Vermilye & Co.,foi o único que pode ser encontrado. Ele disse, depois que a notícia proveniente de Berlin lhe foi lida, que ainda não tinha ouvido nada a respeito da mesma e que não podia confirmar se o repórter estava correto e quais as consequências que a mesma poderia ter para o futuro do Bolivian Syndicate.
Como noticiado em um despacho desde Berlin no dia 1 de junho passado, o Sr. F. W. Whitridge de Nova Iorque havia deixado Berlin em direção à Inglaterra naquele dia depois de ter concretizado arranjos com o Deutsche Banke outras casas financeiras de Berlin para adquirir ações no Bolivian Syndicate de Nova Iorque.
A razão para os dirigentes do Bolivian Syndicate buscaremcapital alemão para o empreendimento parece não ter relação com a necessidade de recursos financeiros externos adicionais para o mesmo. Esse interesse deriva do fato de as companhias August Belmont & Co., Vermilye & Co., Brown Brothers & Co., Frederic P. Olcott, President da Central Trust Company, e outras integrantes do pool de investidores do Bolivian Syndicate terem interesse em ampliar a base internacional do empreendimento visando a obtenção de apoio diplomático nas negociações que agora estão pendentes entre a mesma e o Brasil.

[Como já havíamos comentado na parte 5 dessa série de artigos, os investidores americanos que controlavam o Bolivian Syndicate estavam se antecipando ao futuro impasse diplomático que a instalação do empreendimento no Acre iria causar com o governo Brasileiro. Para pressionar ou mesmo convencer o Brasil a não se opor ao mesmo, eles trataram de pulverizar a nacionalidade dos investidores e atrair outros governos nacionais para o enfrentamento diplomático inevitável].

Será através do território brasileiro que o Bolivian Syndicate deverá encontrar um canal de ligação do Acre com o resto do mundo.O Bolivian Syndicate foi autorizado a administrar fiscalmente, policiar e governar 80.000 milhas quadradas de florestas ricas em seringueiras na Bolívia e a produção de borracha oriunda da exploração dessas árvores deverá necessariamente utilizar rios que cortam o território brasileiro.O Bolivian Syndicate deverá pagar taxas de exportação para alguns Estados brasileiros, principalmente o Amazonas.
A apreensão do governo brasileiro sobre o fato de os Americanos estarem obtendo direitos fiscais e controle policial sobre um território tão vasto, parte do qual é reclamado pelo Brasil, criou uma situação na qual a propriedade e a divisão do empreendimento com parceiros internacionais se tornou desejável. Apesar disso, os interesses financeiros de companhias americanas deverão prevalecer.
Enquanto o Sr. Whitridge tem assumido a parte da negociação financeira do empreendimento, Sir William Martin Conway,o famoso explorador inglêsque negociou com o governo boliviano a concessão do Acre para o Bolivian Syndicate, esteve em Berlin e explicou ao Ministério do Exterior Alemão os objetivos do empreendimento.Ficou subentendido que o Ministério do Exterior provavelmente irá repassar para o restante do governo alemão os objetivos do Bolivian Syndicate, que agoracongrega capitais alemães e americanos.
O Brasil obteve da Argentina o direito de navegar em alguns rios que cortam a fronteira entre os dois países e há muito tempo tem argumentado que a Venezuela deveria conceder direitos similares em relação à navegação no rio Orinoco.Por conseguinte, se pensa que é provável que o Brasil ceda ao pedido de abertura de rios bolivianos e brasileiros contíguos à navegação internacional.

[No final do artigo o repórter do The New York Times “defendeu”os interesses dos investidores americanos e tentou “explicar” ao público americano que a colaboração do Brasil- mediante a abertura dos rios para o escoamento da borracha produzida pelo Bolivian Syndicate – deveria ser algo justo já que o país era beneficiado com acordo supostamente similar com a Argentina. Ocorre que isso não é verdade.A fronteira Brasil-Argentina é formada por rios que separam os dois países e nunca adentram em um ou outro país].

Dados do artigo original: “Warning to Investors”, publicado pelo jornal The New York Times em 14 de junho de 1902.

*Evandro Ferreira é pesquisador do INPAe do Parque Zoobotânico da UFAC

Fabiano Azevedo: