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A questão do Acre no The New York Times (Parte 7)

As disputas diplomáticas, políticas e econômicas envolvendo os governos do Brasil e da Bolívia e investidores Americanos e Europeus relativas ao controle do Acre foram objetos de várias notícias no mais importante diário americano, o “The New York Times”. Como os textos são muito antigos e foram publicados originalmente em inglês, resolvemos selecionar e traduzir alguns que reputamos importantes para os interessados na história do Acre. Para facilitar o entendimento de alguns fatos narrados, comentários explicativos estão adicionados entre colchetes.

BRASIL ADVERTE A BOLÍVIA

É contra o contrato de arrendamento do Acre e suspenderá relações diplomáticas se o mesmo não for rescindido.The New York Times entrevistou o arrendatário.

Washington, 19 de junho de 1902–Se tornou oficialmente conhecido hoje que o governo brasileiro informou ao governo boliviano que se o contrato de arrendamento do Acre para um grupo de empresários americanos e ingleses não for rescindido as relações diplomáticas entre os dois países deverá ser imediatamente suspensa e todos os obstáculos possíveis serão postos via impedimento do uso dos rios afluentes do Amazonas que cortam o Acre e adentram território brasileiro.
De acordo com informações divulgadas ao mesmo tempo do comunicado diplomático, um movimento de obstrução do arrendamento está sendo organizado no Estado do Amazonas com o objetivo de invadir o Acre, que segundo consta, já foi repassado ao grupo de investidores americanos e europeus. Além disso, está sendo organizado um movimento revolucionário para atuar no referido território.

[Nessa época a efervescência e a revolta entre os barões da borracha encastelados em Manaus deve ter atingido o ápice. A deficiência das comunicações na época, que dependiam do telegrafo ou cartas e jornais impressos que viajavam lentamente em navios vapores, deve ter levado a um sem número de “Fake News” na imprensa local e entre os habitantes de Manaus. Pode-se imaginar que em restaurantes e bares o que predominava era a versão de que os americanos tinham “comprado o Acre” para levar à falência todos eles, que por tantos anos desfrutaram das riquezas brotadas do látex extraído das abundantes populações de seringueiras existentes nas florestas acreanas. Não foi surpresa que o empresariado amazonense estivesse dispostos a tudo, até mesmo financiar uma revolução para impedir o plano a colonização do Acre pelos americanos].

Embora a informação contida no despacho diplomático seja de natureza séria, a notícia de que o Brasil deixou clara sua intenção de fazer o que for possível para frustrar os planos dos capitalistas americanos interessados em explorar o Acre não é inesperada. Menos de uma semana atrás o Barão do Rio Branco, embaixador brasileiro na Alemanha, tendo tomado conhecimento de que esforço estava sendo feito para atrair capital alemão para o empreendimento no Acre, emitiu um alerta aos investidores alemães declarando que qualquer conexão deles com o empreendimento planejado para o Acre implicaria riscos consideráveis tendo em vista que a fronteira do Acre com o Brasil e o Peru ainda eram incertas e que ambos os países reivindicavam parte daquele território e por isso negociações com a Bolívia ainda estavam em andamento.

[Na verdade, desde o tratado de Ayacucho de 1867 questões de fronteira relativas ao Brasil e a Bolívia envolvendo o Acre tinha sido acertadas. Pelo tratado o Brasil reconheceu o Acre como território boliviano. Houve apenas um pequeno desentendimento sobrea correta posição do marco localizado nas cabeceiras do rio Javari. O Barão de Tefé e posteriormente Cunha Gomes foram às nascentes do Javari para esclarecer a questão e o presidente Campos Salles (1898-1902) assinou o documento aceitando a resolução do problema em 1899. Portanto, a alegação por parte do Barão do Rio Branco de que ainda existiam negociações em andamento sobre a demarcação da fronteira Brasil-Bolívia no Acre era infundada].

Embora referências tenham sido feitas no comunicado diplomático divulgado em Washington e despachos noticiosos anteriores a um suposto “Sindicato”, nenhuma companhia foi formada neste país ou na Europa com o objetivo de explorar o Acre. A concessão junto ao governo boliviano foi obtida por F. W. Whitridge que reside nesta cidade. O Sr. Whitridge foi entrevistado ontem à noite por um repórter do The New York Times em sua casa, localizada no número 16 Leste da Rua Onze, em Manhattan, e falou o seguinte no que concerne à sua ligação com os planos para a exploração do Acre e a disputa fronteiriça entre o Brasil e a Bolívia:

[O depoimento abaixo do empresário F. W. Whitridge, dono da concessão do Acre, é emblemático e desnuda a falta de interesse ou mesmo covardia dos governantes bolivianos de lutar para manter o Acre como seu território. Whitridge revela que a concessão não foi dada ao Bolivian Syndicate, mas a ele, o empresário. A ideia do Bolivian Syndicate foi lançada em razão da necessidade de formar uma companhia para explorar o Acre. Mas até essa data esse sindicato não existia formalmente. Isso explica em parte o fracasso do americano:ganhou a concessão do Acre e só então saiu com o “chapéu” em busca de dinheiro para formalizar uma companhia que pudesse explorar o Acre. Ora, a borracha era a mais importante commodity da época, havia muitos interesses econômicos em jogo no Brasil (especialmente em Manaus e Belém) e milhares de pessoas dependiam do sistema de exploração da borracha no Brasil …portanto, não foi difícil mobilizar toda sorte de apoio para inviabilizar a empreitadados americanos].

“No momento eu sou o único concessionário, meus direitos de exploração foram assegurados por um ato do Congresso boliviano, aprovado em uma sessão especial do mesmo. Claro, um número de americanos endinheirados está interessados no projeto e, embora o Sindicato ou Corporação de qualquer tipo não tenha sido formada até o presente, é certo que uma companhia deverá ser incorporada mais tarde no Estado de Nova Jersey”.
“Naturalmente, eu lamento ouvir que o Brasil tenha tomado atitude tão extrema relacionada ao assunto, mas ao mesmo tempo eu não fiquei totalmente surpreso. Estou ciente dos sentimentos naquele país sobre qualquer coisa vinda dos Estados Unidos e eu sei as razões especiais pelas quais a população do Estado do Amazonas estaria disposta a recorrer, usando quaisquer meios para impedir qualquer possibilidade de colonização daquele território por americanos”.

… Artigo continua

Dados do artigo original: “Brazil Warns Bolivia”, publicado pelo jornal The New York Times em 19 de junho de 1902.

 

*Evandro Ferreira é pesquisador do INPAe do Parque Zoobotânico da UFAC

Fabiano Azevedo: