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Eventos extremos climáticos – III: o que as chuvas e a pesquisa estão nos ensinando?

Intensificação do ciclo hidrológico – este jargão pode ser difícil de entender, mas tem sido a previsão de cientistas sobre as mudanças climáticas provocadas pelo aumento de gases de efeito estufa no ar. A frase quer dizer que vamos ter chuvas e secas cada vez mais fortes. Para quem já viveu algumas décadas na região, as observações diárias tendem a confirmar esta tendência. Estamos vivendo numa época mais energética.
É verdade que podemos encontrar no passado, secas e chuvas até mais fortes do que as recentes e que ocorreram naturalmente. A contribuição humana é fazer os eventos naturais mais energéticos, por bem ou por mal, principalmente por mal.
Um exemplo aconteceu na noite de 13 de fevereiro deste ano. Moradores de Rio Branco receberam um impacto imenso a noite do dia 13 quando caíram chuvas na faixa de 136 a 277 mm. Alguns moradores tiveram o equivalente de um mês de chuva em 8 horas. Aconteceram chuvas como esta no passado? Sim, sem dúvida, mas tudo indica que a frequência destas está aumentando.
De fato, soubemos recentemente que as chuvas poderiam ser tão intensas nesta parte da Amazônia. Em 2015, a inundação da bacia do Rio Acre, de Iñapari até Porto Acre, passando por Cobija, Brasileia, Xapuri e Rio Branco, se iniciou com uma pancada de chuva de 230 mm que caiu em Assis Brasil em 15 horas.
Como estes eventos estão ficando frequentes, temos duas opções: (a) continuar como antigamente, ou seja, decidir não decidir, deixando aumentar o sofrimento, (b) adequar a infraestrutura (bueiros maiores, evitar construir em áreas alagáveis, evitar jogar lixo nos rios e igarapés, entre outros) e desenvolver um sistema alerta que funcione na escala de minutos e horas. Para acompanhar eventos como este, precisamos radares meteorológicos e uma sala de situação ou sistema funcionando 24 horas.
A inércia social favorece (a) mas vai custar caro com o tempo, talvez com vidas. O bom senso favorece (b) que precisa de investimentos. Vamos ver se inércia social ou o bom senso ganha.
A intensificação do ciclo de água inclui secas. Alguns dias atrás Luiz Aragão e Liana Anderson, dois brasileiros que fazem pesquisa também no Acre, lideraram um artigo publicado na revista Nature Communications, uma das mais conceituadas no mundo científico. Eles notaram que o paradigma de que o desmatamento na Amazônia brasileira é a fonte principal de gases de efeito estufa está mudando.
Sabemos que a taxa de desmatamento de florestas primárias sempre vai ao zero – ou porque não tem mais floresta ou porque a sociedade decidiu parar o processo. Para manter a floresta, suas bombas de água para chuvas e o seu carbono na biomassa viva, o desmatamento precisa chegar ao zero e logo.
Mas mesmo com desmatamento zero, a floresta não está imune de impactos. Nos últimos anos, durante as secas severas, a floresta Amazônica tem sido queimada. As secas severas evaporam água nos galhos e folhas mortas no chão, permitindo a propagação de fogo dentro das florestas. Em 2005, mais de 300 mil hectares de florestas queimaram desta maneira no Leste do Acre, deteriorando a floresta e liberando gases de efeito estufa.
Os cientistas Aragão e Anderson preveem que as secas vão ficar mais severas nas próximas décadas, colocando mais florestas em risco. Isto quer dizer que anos como 2005 ou piores podem ficar frequentes.
Enfrentamos escolhas semelhantes as de inundações rápidas: (a) deixar a inercia social toma conta e esperar para as florestas se queimarem ou (b) controlar o uso de fogo durante secas severas e ter equipes/brigadas preparadas para apagar rapidamente qualquer incêndio florestal no início. Também o futuro depende se a inércia social ou o bom senso ganhar.
Como podemos ver, eventos extremos estão dando oportunidades para aprendermos sobre os impactos. Tudo indica que estes eventos se intensificarão. Não decidir é decidir – a inércia social vai levar a sociedade a tentar soluções parciais ou paliativas com custos sociais e ambientais aumentados. A escolha (b) significa enfrentar este admirável mundo novo de eventos extremos crescentes com mudanças culturais e institucionais. A Defesa Civil nos seus níveis internacional, nacional, estadual e municipal precisa se adequar para o século 21, tanto como instituição quanto como cultura. Por exemplo, conceitos de preparação, prevenção, resposta e recuperação podem ser ensinados nas escolas, preparando a próxima geração para lidar com situações adversas.
Temos escolhas todos os dias que fortalecem a inércia social ou a busca de soluções. Tomara que possamos promover a busca de soluções. Nossos netos e bisnetos agradecerão.
Referencia citada: Luiz Aragão, Liana Anderson et al. 2018. “21st Century Drought-Related Fires Counteract the Decline of Amazon Deforestation Carbon Emissions.” Nature Communications 9 (1): 536.

 

Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.

Fabiano Azevedo: