Com recado estampado em coxas, seios, pernas e braços, as mulheres disseram “Não é não” ao assédio neste carnaval. No Rio, adesivos com a mensagem fizeram sucesso nos blocos, dentro e fora do circuito oficial, na tentativa de conscientizar contra a violência à mulher. No entanto, relatos de desrespeito revelam que somente políticas públicas de longo prazo podem interromper a cultura da força.
Ao acompanhar o Bloco da Favorita e ouvir funks antigos, no último sábado (10), Mariana dos Reis Santos acabou se arrependendo antes mesmo de chegar ao local que escolheu para se divertir. “Quando eu passava, ouvia palavras de baixo calão, vindas de um grupo de homens. Eles assobiavam e fui ficando muito insegura”, disse. “Cheguei no bloco, tinha uma quantidade enorme de homens, em bando, querendo agarrar as meninas. Então, fui embora”.
Evitar os megablocos e restringir as opções acabou sendo a solução para o casal de lésbicas Cecília Monteiro e Gisele Lopes. Elas escolheram o Toco-Xona, bloco formado por LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), para ir no domingo (11). “Não vamos em bloco grande da zona sul, porque não tem condição. A gente transita em blocos alternativos, gays e, mesmo assim, temos medo durante o deslocamento”, disse Cecília. As jovens relataram que muitos homens ainda respondem à espontaneidade do casal com agressões e que as duas precisam decidir, o tempo todo, entre manifestações de carinho e cuidados, para se manterem seguras
“As pessoas não nos reconhecem como casal. O cara finge que não estamos de mãos dadas, finge que a gente não está se beijando, [eles] chegam, puxam o cabelo, xingam, falam que precisamos de algo. O tempo todo é um discurso de estupro corretivo”, completou Gisele.
Em blocos menores, conhecidos por atrair famílias e foliões engajados, como o Cordão do Boitatá, as mulheres se mostraram mais à vontade. Ali, Olegária Porto usava um sutiã transparente, mas só porque estava rodeada de amigos, disse. Para ela, o medo da violência está sempre presente, embora a cada ano as mulheres reajam mais a abordagens desrespeitosas. “O não é não”, frisou. “Tudo o que vier depois, é assédio.”
Políticas públicas contra o assédio
Uma das organizadoras do bloco feminista Mulheres Rodadas, Renata Rodrigues, que saiu nesta Quarta-Feira de Cinzas, no Rio, avalia que é preciso mais do que campanhas de conscientização, como fazem órgãos públicos e organizações de mulheres. Na sua opinião, a realidade não vai mudar sem políticas de prevenção e repressão.
“Desde que o bloco apareceu, em 2014, estamos falando de questões de violência e de carnaval sem assédio. Então, posso dizer, com segurança, que ajudamos a pautar e a popularizar essa discussão. Hoje, as mulheres estão mais informadas e menos tolerantes”. Muitos homens, no entanto, ainda se recusam a enxergar o problema. “É só um elogio, uma cantada e, nessa suposta confusão, aproveitam para passar os limites”, acrescentou.
Renata lembrou ainda da pesquisa do Data Popular, de 2016, que revela que 61% dos homens acham que mulher solteira no carnaval “não pode reclamar de cantada”.
Estatística
O poder público ainda não tem um número nacional dos casos de assédio no carnaval, mas os dados oficiais mostram que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no país. Organizações que combatem a prática têm incentivado as mulheres a denunciar as abordagens à polícia, como forma de pressionar por políticas e mudança de mentalidade.
Entre as iniciativas, está a campanha Aconteceu no Carnaval, que montou um site para receber relatos de vítimas de assédio no carnaval, de forma anônima. “Quebrar o silêncio fortalece as mulheres”, justifica o projeto. “Só quem deve ter vergonha do que aconteceu é o agressor”. O site está disponível no site (www.aconteceunocarnaval.org).
Para buscar ajuda, a vítima também pode ligar gratuitamente para o serviço telefônico 180.