Apesar de algumas tendências positivas, como a queda da pobreza absoluta global e melhoria global da saúde, descritas neste espaço em 25jul17, outras tendências globais têm sido negativas.
Will Steffen e outros colegas enumeraram vários processos que estão chegando ou ultrapassando os limites de funcionamento normal da Terra. Entre estes destacam-se a perda do funcionamento da biodiversidade, mudanças do uso da terra, uso de água doce, liberação de nitrogênio e fósforo, acidificação dos oceanos e mudanças climáticas. E o que é comum para todos, direta ou indiretamente, é a água.
Uma criança nascida neste ano vai ter a idade do autor em 2084, quando a população mundial projetada chegar a 10,9 bilhões de pessoas. Este aumento de 3,3 bilhões é igual a população total que existia na Terra em 1964.
Se as tendências continuarem a crescer, o aumento populacional vai colocar mais gásno que se chama “A Grande Aceleração” dos processos afetando o planeta.
O Papa Francisco na sua carta encíclica Laudato Si vai além dos fatores biofísicos da crise e inclui a desigualdade social como parte integral do problema. Na verdade, os impactos da deterioração do planeta tendem a afetar primeiro os mais pobres e vulneráveis. Portanto, estamos a frente de uma crise com dois lados interligados – ambiental e social.
O que fazer perante uma situação inédita como essa? Conforme mencionado anteriormente, em minhas palestras sobre este assunto, a plateia geralmente se divide em três grupos: (1) os céticos convictos que creem que tudo isto é mentira, um complô comunista ou capitalista para enganar o povo; (2) os desesperados que acreditam nos problemas mas não veem soluções e (3) os solucionistas que acreditam na magnitude dos problemas mas consideram que soluções são possíveis. A tarefa para o resto da minha vida profissional é ajudar os grupos (1) e (2) a migrarem para o grupo (3), porque só existem soluções para quem as procuram.
Cuidar do planeta é um conceito bonito, mas vago. Podemos iniciar cuidando do nosso quintal, ou numa escala um pouco maior – da nossa região. Recentemente tivemos impactos severos ligados a água em Rio Branco – a inundação de 2015, recorde em 40 anos, a seca de 2016 com o nível do rio Acre mais baixo em 40 anos, a chuva da noite de 13 para 14 de fevereiro deste ano onde caiu em alguns pontos da cidade mais de 270 mm, equivalente a um mês de chuva em oito horas.
Estes dados locais, não são provas de que o clima está alterando, afinal a variabilidade local de clima historicamente é muito grande, mas é consistente com a tendência global que, sim, está ligada a mudança causada por seres humanos na composição da atmosfera e na cobertura do solo.
Bem, se a humanidade está afetando o planeta,ela pode mudar o seu rumo. Se os danos levaram décadas para se estabelecer, vai levar décadas para reverter estes danos. Alguns danos, infelizmente, não são reversíveis como extinção de espécies.
Como os problemas são interligados, as soluções também são. No caso do Rio Acre, temos algo relativamente pequeno, na escala global, mas também complexo que serviria como modelo para o mundo. Primeiro, a bacia do Rio Acre começa no Peru, passa viaterritório boliviano e chega no Brasil.Decisões sobre o uso de água dependem de colaboração tri-nacional. Nesta bacia existem grupos indígenas evitando contato com a sociedade industrial, colonos, seringueiros, fazendeiros, ribeirinhos, e populações urbanas de três países.
A chuva que alimenta o Rio Acre vem da evaporação do oceano Atlânticoe estásendo reciclada na sua passagem acima do Brasil. Consequentemente,dependendo de como se usa a terra no Pará, por exemplo, pode afetar chuvas naBolívia e Peru, além do Acre.Como o Papa Francisco diz, tudo está interligado.
Várias cidades nos três países usam a água da bacia do Rio Acre, direta ou indiretamente via tributários ou via poços. Muita desta água volta ao rio como esgoto. Os riobranquenses bebem o xixi de Xapuri, ou melhor dizendo a urinatratada pelo ecossistema aquático do Rio Acre entre Xapuri e Rio Branco, um serviço ecossistêmico fornecido pelo rio. Mas este serviço tem seus limites.
Com a intensificação das secas e o crescimento das cidades teremos períodosquando o esgoto das cidades a montante irá afetar o abastecimento de cidades a jusante, se não mudarmos a forma de tratar o Rio Acre.
Para mudar as tendências da nossa relação com aágua e o planeta, o papel da educação é fundamental.
Este ano, uma iniciativa dos sistemas escolares de Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia (MAP) lançará uma campanha educativa no dia 22 de março, o Dia Mundial da Água. O nome da campanha é Cuidando da Água do Planeta, apartir da Região MAP. O foco da campanha não é na água em si, mas na gestão das atividades humanas ligadas a água. A campanha envolve secretarias estaduais da educaçãode Madre de Dios, Acre e Pando, a UFAC e ONGs de desenvolvimento sustentável. O ideal seria o envolvimento de todos os setores da sociedade.
Quem quiser se envolver no processo, pode entrar em contato com o Parque Zoobotânico da UFAC no Acre([email protected]), com as ONGs Herencia emPando ([email protected]) eCincia em Madre de Dios ([email protected]).
* Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.