De vez em quando escuto em Rio Branco demandas para que os cidadãos de bem tenham mais acesso a armas, usando o exemplo dos Estados Unidos (EUA) onde a compra de armas de fogo é relativamente simples. Como cientista, queria entender melhor a situação e fui buscar dados para ver se o acesso a armas ajuda a controlar o crime.
Comparar dados sobre crimes em países diferentes pode ser problemático, porém dados de homicídios intencionais estão entre os mais confiáveis com relativamente pouca variação entre fontes. O Brasil teve cerca 30 mortes violentas intencionais por cem mil habitantes no ano de 2016, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Acre ficou com uma taxa 50% mais alta do que a média brasileira, com 45 por cem mil habitantes em 2016. Daí não é difícil entender por que a população acreana fica preocupada com a violência e procura soluções.
Na vizinhança, a Bolívia teve somente 12 homicídios intencionais por cem mil habitantes em 2012 e o Peru 7 em 2015, apesar destes países serem mais pobres com PIBs efetivos per capita menor do que o brasileiro. Os Estados Unidos tiveram 5 homicídios intencionais por cem mil habitantes em 2015, segundo dados organizados por Wikipedia.
Nesta comparação, parece que os Estados Unidos estão acertando no controle de homicídios. Será que é a prevalência de armas de fogo que faz os EUA ter uma taxa um sexto da do Brasil? Os Estados Unidos têm cerca de metade das armas que circulam entre populações civis no mundo.
Antes de chegar a uma conclusão, seria bom comparar os EUA com outros países com rendas semelhantes. Neste caso, a situação muda. Canadá teve somente 1.7 homicídios por cem mil habitantes em 2015. No mesmo ano, a taxa foi menos de que 1 homicídio por cem mil habitantes em Portugual, Espanha, Dinamarca, Irlanda, Noruega, Inglaterra, Austria, Alemanha, Holanda, Suiça, Austrália, Nova Zelândia, e Grécia.
Entre os países com renda alta, os EUA é uma anomalia violenta. Também a comparação com outros países faz até mais incrível a nossa estatística de 45 mortes violentas por cem mil habitantes no Acre em 2015. Estamos com uma taxa de homicídios 45 vezes mais alta do que a de Portugal!
Voltando aos EUA, além de ser uma anomalia em homicídios em geral os EUA ganham entre os países industrializados em termos de massacres (três ou mais vítimas fatais) por armas de fogo. O ponto mais triste foi em 2012 quando um atirador entrou numa escola de ensino fundamental e matou 20 crianças da primeira série e seis adultos.
Mesmo com estas mortes, não foi possível mudar a legislação em termos de restringir acesso a armas, por causa do medo de uma parte conservadora da população, que pensa que o governo vai tirar armas de cidadãos de bem, um medo reforçado pela indústria de armas.
Desde 2012, houveram massacres em 16 escolas nos EUA. Quando comparado com dados de outros países de alta renda, a causa aparente para estes massacres é a acessibilidade de armas de fogo. Porém os Republicanos fizeram questão de não rever as leis que permitem este acesso, argumentando que são pessoas que matam, não as armas.
Na última matança de 17 alunos numa escola em Parkland, no estado de Florida, no dia de 14 de fevereiro, algo surgiu que não aconteceu antes: um ativismo motivado pelos próprios alunos que sobreviveram ao ataque. Eles viajaram até a capital de Washington, falaram com legisladores e recentemente organizaram marchas com o slogan “Marcha para as nossas Vidas” no dia 24 de março.
O que mudou em comparação as respostas anteriores foi que são alunos de colégios e universidades que estão liderando, muitos sendo jovens demais para votar. Centenas de milhares de pessoas foram a Marcha em Washington. Dezenas de marchas de apoio aconteceram em cidades espalhadas não só nos EUA mas também em vários outros países.
Adultos e organizações ajudaram no processo, mas a liderança veio dos alunos. A mensagem foi que esta geração já está pressionando os políticos para agirem e que em alguns anos, eles vão votar e lembrar quem ajudou e quem bloqueou as reformas nas leis. Já conseguiram mudar a lei na Flórida e agora são uma força para as eleições que vão acontecer em novembro.
Voltando a pergunta original, se a disponibilidade de armas deixou os cidadãos dos EUA mais seguros, as evidências indicam que não e que esta disponibilidade tem contribuído para massacres. A situação de violência nos EUA tem aspectos diferentes em comparação às do Brasil e do Acre e as soluções de um pais não necessariamente servem num outro.
Na busca de soluções para as matanças aqui no Acre, precisamos entender bem as raízes. Se não, corremos o risco de tratar somente os sintomas da violência que não vai resolver o problema. Se fosse pobreza a explicação, por que Bolívia e Peru, países mais pobres do Brasil, têm menos homicídios em termos relativos?
Precisamos entender as causas, mas só isto não basta. Movimentos sociais são necessários para empurrar a implementação de soluções. Algumas dezenas de alunos do Parkland mostraram que a vontade acoplada a ação pode mudar a política de um estado e afeta o discurso de um pais. Espero que não precisamos massacres de alunos aqui para nascer um movimento social capaz de mudar o nosso cenário.
Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.