Obrigo-me a emitir algumas opiniões em artigo, apesar de não ser este exatamente o gênero preferido para a veiculação das minhas ideias. Sou cronista e contista desde décadas, mas é a ocasião que faz o indivíduo, seja ele laranja ou tangerina, esteja armado até os dentes, ou de mãos limpas enfiadas em velhos coldres vazios.
Como a fraca inteligência nacional se perde nos conceitos, convém esclarecer, de antemão, que os termos laranja e testa de ferro designam, na linguagem popular, a pessoa que intermedeia transações financeiras fraudulentas, emprestando o seu nome, documentos ou a conta bancária, para ocultar a identidade de quem a contrata. A criação dos laranjas tem, entre outras motivações, o intuito de enganar a receita federal. Cria-se, no geral, a figura do sonegador e, no caso específico, mais um expediente para a ação do político salafrário cujas intenções são as mais diversificadas possíveis, como a lavagem de dinheiro e o desvio de recursos públicos.
Com o objetivo de ilustrar estes escritos, vamos a um exemplo acachapante, magistral, com gosto de laranjada alagoana.
A Fazenda Cocal é uma das propriedades adquiridas por Renan Calheiros e anexada ao conglomerado pertencente à família, a Santa Rosa. Segundo apurou O Globo, a Cocal pertence ao senador, embora, oficialmente, não faça parte da declaração de bens deste. Ademais, para adoçar o refresco de laranja, os cento e oitenta hectares de terra estão no nome de Marlene Gomes da Silva, na verdade, uma antiga empregada doméstica da fazenda, morta em 1997. Coitada.
Para coroar a ilustração, observe-se que o fenômeno em cor alaranjada está na moda desde séculos e só a receita federal, dorminhoca, de nada sabe, apesar dos auditores estarem extremamente vigilantes e comprometidos em verificar as finanças apenas e tão somente dos funcionários públicos, os grandes pagadores de impostos desta terra de amaldiçoados e privilégios.
Mas também a mesma prática, envolvendo os senadores Aécio Neves e Romero Jucá, figuras carimbadas das patranhas nacionais, foi comprovada pelo G1 e pelo UOL. Não é difícil ponderar que o número desses impostores venha a ser enorme.
Pois bem. Estamos, agora, no segundo combate de um duelo de cobras criadas. Observo que o Governo Federal, hoje, assumindo uma postura superior, do alto da sua arrogância e incompetência, quer falar SOBRE o que está longe do seu conhecimento. Na verdade, são os agentes da lei que devem falar DE segurança pública, uma vez que são estes que estão na ponta do processo e entendem, como ninguém, os meandros dos sistemas.
É melhor descer dos saltos, senhores ministros.
Em verdade, quero deixar bem claro ao poder central que, de início, muito mais conveniente e eficaz seria a implantação da identidade única, o mais rápido possível, com a pressa e a eficiência de que o Brasil precisa. O que acontece, hoje, é que o cidadão pode ter uma identidade em cada unidade da federação, em cada Estado. Pior ainda é que são inúmeros os casos em que gente graúda, que usa CPFs falsos, ou pertencentes a pessoas falecidas (fantasmas), como é o caso do senador Renan Calheiros e a empregada morta. Uma zorra!
Avalio que até um QRCode, aquela figura digital cheia de detalhes mínimos, pode conter muitas informações, inclusive um link para dar acesso ao banco de dados onde se encontram informações completas sobre o cidadão, com foto, impressões digitais, nome dos pais, dentre outros fatores.
Como somos uma país tecnologicamente avançado, com centenas de cursos superiores em tecnologia da informação, avalio que o melhor sistema – e o mais completo – é, certamente, o AFIS – Sistema Automatizado de Identificação de Impressões Digitais (Automated Fingerprint Identification System – AFIS). Mas aí também o problema persiste. Cada Estado faz a identificação dos seus habitantes e não há ainda um banco que abranja todo o território nacional. Somente um segmento está caminhando nessa direção. Apenas para fins de eleição, o Tribunal Superior Eleitoral tem colocado o AFIS em operação e obtido o sucesso esperado.
Ao lado das providências de ordem tecnológica, que nos deixariam bem munidos para o combate contra as mais diversas modalidades de crimes, medida eficaz poderia ser o redimensionamento da força de trabalho, a capacitação e uma revisão geral dos salários dos profissionais que estão encarando de frente a batalha contra o crime.
Mas aí vem um punhado de especialistas em paliativos, notadamente dos ministérios, que nunca resolvem coisa alguma e começam a buscar soluções sem sentido. Ora, senhores. Não adianta criar o ministério da segurança, nem a polícia de fronteira. Isto geraria mais cargos, mais burocratas e mais competição entre delegados, agentes e agências estaduais. A própria Polícia Militar poderia ter o seu efetivo aumentado de forma a guarnecer convenientemente os nossos milhares de quilômetros de limites internacionais. Todos os agentes de todas as forças poderiam também ser melhor treinados e equipados, o que ocorreria ainda com a área da inteligência. Se na Colômbia deu certo, só a incompetência dos poderes impede que o mesmo aconteça aqui.
Bem pior é que não dá para levar o assunto à discussão no congresso nacional, porque a matéria seria inviabilizada, uma vez que os sonegadores lá encastelados é que decidem os destinos do Brasil e o formato através do qual pode-se burlar o fisco em detrimento de benefícios mínimos para a massa de pobres desta Nação.
Há que percebermos, sem nenhuma dúvida que, no Brasil, o efeito borboleta é analisado à luz da Lei de Gerson, criação brasileira segundo a qual é conveniente deixar a tempestade acontecer para que, logo em seguida, alguém leve vantagem com a criação de mais uma ONG para cuidar das borboletas. Ou para que façam instituir mais algumas secretarias especiais para desabrigados e construções e, quem sabe, talvez até um ministério das catástrofes, hospedeiro de mais corruptos e burocratas sem noção como tantos que infestam este País.
Para mais um subsídio nada científico, observo na situação um elo fantástico com a teoria do caos, que busca explicar fenômenos que não são previsíveis e, por este motivo, considerados caóticos, pois não há como controlá-los. No Brasil, há os que torcem para que os problemas mais sérios venham a acontecer pois, assim, estaremos dando cada vez mais espaços para os solucionadores espertalhões que estão sempre em busca de proveitos financeiros a perder de vista. Eles querem, sim, que a desordem se estabeleça a impunidade se agigante.
Utilizando-me de um jargão já podre, afianço-vos que tudo isso seria cômico se não fosse trágico. Desfilam, agora, nas redes sociais, hordas de aspones e especialistas em porra nenhuma falando sobre o que deve ser feito com a nossa segurança pública, quando o básico, que é a mera questão da identificação, chega a ser drasticamente negligenciado.
Vigiai e orai, irmãos, porque a hora é chegada. Ou se colhem as laranjas podres e se caçam os fantasmas, ou o povo continuará a ser espremido e assombrado pela escória que se alastra a partir do próprio congresso de pulhas e ladrões de todos os naipes.
*Escritor. Doutor em Filosofia e História da Educação pela Unicamp.