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Empatia

Ao precisar ir a uma farmácia, uma senhora com os cabelos assaranhados pelo vento e quase imóvel, devido ao frio, no estacionamento com uma cesta cheio de cones de chocolate, doce de leite e beijinho, me chamou a atenção, principalmente, por ser já um pouco tarde.
Ao passar por ela, disse boa noite e ela gentilmente me respondeu. Em seguida me ofereceu os produtos que estavam bem embalados e demonstravam o carinho e bom gosto daquela senhora em que mesmo com o rosto cheio de rugas, não economizou no sorriso.
Sobre seus produtos precisei dizer não. E entrei na farmácia. Ao sair, vi a tal senhora na mesma posição, em pé com os cabelos voando e um olhar triste.
Segui meu caminho, foi aí que ela me abordou. “Minha filha, eu posso lhe pedir uma carona? São só alguns metros daqui, mas estou com tanta dor nas pernas que não consegui sair do canto”.

 

“Enquanto ela ia contente por ter chegado em segurança e com o mínimo de dor, eu segui meu caminho, com lágrimas nos olhos”

Nem pensei duas vezes. Ela entrou no carro e já foi agradecendo. “Você não sabe como me ajuda com essa carona, minha filha. Tá um bocado frio lá fora”, falou ela.
Foi aí que percebi que ela estava de saia e com uma blusa muito fininha. Em seguida ela foi falando que estava com três meses de aluguel atrasado. E que a filha dela tinha distribuído mais de 100 currículos e ainda não tinha conseguido um emprego, mesmo com nível superior.
“Estou vendendo os cones para ver se consigo juntar a grana para pagar pelo menos um mês de aluguel. As coisas estão muito difíceis. Daqui não tiro nenhum real. Nem mesmo para comprar pão”, comentou ela.
Aquele depoimento apertou meu coração. Um minuto depois ela disse: “pode parar bem ali”. Ao se despedir, ela olhou para mim, com aquele mesmo sorriso da primeira vez que a vi.
Enquanto ela ia contente por ter chegado em segurança e com o mínimo de dor, eu segui meu caminho, com lágrimas nos olhos. E um eterno questionamento: “Até quando vamos presenciar esse tipo de realidade? Pessoas sem emprego e a maldita, porém impregnada, má distribuição de renda. Até quando?”.

Fabiano Azevedo: