É fácil pensar que a natureza é algo separado de pessoas – nós estamos aqui e a natureza lá. Mas somos parte integral da natureza. A mudança de atitude pode acontecer quando aprendemos que somos feitos de poeira das estrelas que reciclou na Terra por bilhões de anos. Alguns átomos de carbono do nosso corpo passaram, sem dúvida, no sangue de dinossauros, cem milhões de anos atrás. As moléculas de água que estão nos nossos olhos estavam no fundo do mar e no alto das nuvens nos últimos milhares de anos. Somos parte dos ciclos da natureza e dependentes deles.
Mais especificamente temos uma relação direta com a biosfera – a camada da Terra onde acontece a vida. Uma maneira de contemplar esta relação seria parar de respirar quando você estiver lendo as próximas frases. Durante centenas de milhões de anos, as plantas da biosfera faziam fotossíntese, absorvendo CO2, gás carbônico, liberando oxigênio para a atmosfera e incorporando o carbono em plantas.
Parte destas plantas ficou enterrada em sedimentos, tirando o carbono do contato com a atmosfera. O oxigênio foi acumulando até chegar a concentração de 210.000 ppm ou 21% na atmosfera. Pode respirar agora, inspirando oxigênio sem o qual nós morreríamos em poucos minutos. Talvez seria um bom momento para agradecer às plantas por seu trabalho, absorvendo o gás carbônico que você expirou e fornecendo o oxigênio que você precisava.
Voltando à biosfera, esta parte essencial do planeta Terra para a nossa sobrevivência, a ciência conhece relativamente pouco da sua estrutura. De vez em quando falamos da biodiversidade e da extinção de espécies, mas raramente há discussões sobre a biomassa dos seres vivos que fazem parte da biosfera. A biomassa, ou seja, o peso cumulativo de organismos, serve como um dos indicadores da saúde de ecossistemas e da biosfera. Se essa biomassa está mudando, pode indicar que parte da biosfera, um ecossistema, por exemplo, está deteriorando.
Recentemente um artigo fez uma estimativa da biomassa de vários componentes da biosfera. Yinon Bar-on e colegas estimaram, usando carbono como medida, que temos cerca de 550 bilhões de toneladas de carbono (GtC) em seres vivos no planeta. A grande parte desta biomassa, 450 GtC, está em plantas de terra firme, para a qual florestas contribuem muito.
É difícil saber a biomassa da biosfera antes de os humanos começarem a afetar a distribuição dos seres vivos, mas Bar-On e colegas estimaram que a biomassa de mamíferos selvagens terrestres baixou a um sétimo da quantidade pré-humana. Mamíferos marinhos (baleias e focas) reduziram a um quinto e peixes à metade. Modificamos a distribuição de plantas, principalmente via desmatamento, reduzindo a biomassa a 50%. Nós cultivamos cerca de 10 GtC de alimentos, mas isto é apenas 2% da biomassa atual de plantas.
Também o crescimento da população humana e de outros mamíferos como gados e porcos contribuíram para aumentar a biomassa total desse grupo cerca quatro vezes acima do total pré-humano. No Acre temos cerca de 3 milhões de cabeças de gado com uma biomassa total muito maior do que a de seres humanos e dos mamíferos silvestres do estado.
Temos mexido com o nosso sistema de sobrevivência e estamos acelerando os processos que estão reduzindo a biomassa de ecossistemas naturais. Nos últimos 70 anos, a sociedade humana entrou na “Grande Aceleração” em termos de mudanças socioeconômicas e ambientais. Basta olhar a Amazônia brasileira que ficou com cerca 20% da sua área total desmatada nas últimas décadas e a taxa de desmatamento aumentando nos últimos três anos para sentir a situação.
Além de reflorestar áreas degradadas na Amazônia, como prometeu o governo brasileiro na COP em Paris, precisamos pensar em como fazer repovamento de animais nestas áreas, tanto nas florestas quanto nos ecossistemas aquáticos associados. Ecossistemas são complexos, especialmente nos trópicos úmidos, e precisam de todos os seus componentes para ter mais resiliência a perturbações climáticas.
De certa maneira, precisamos aprender como cuidar da biosfera, e mais especificamente, dos ecossistemas regionais que têm um impacto direto nas nossas vidas. Ou aprendemos a cuidar da nossa parte da biosfera ou nos preparamos para viver num planeta com uma biosfera deteriorada.
Referência central para este artigo: Bar-On, Y. M., Phillips, R., & Milo, R. (2018). The biomass distribution on Earth. Proceedings of the National Academy of Sciences. https://doi.org/10.1073/pnas.1711842115.
*Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da UFAC. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA). Coordenador do Projeto MAP- Resiliência.