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Construtores de geoglifos se estabeleceram por toda a periferia sul da Amazônia

A descoberta de centenas de geoglifos no sul da Amazônia (a partir dos anos 70), de estruturas similares nos Llanos de Moxos (Bolívia) e na região do alto rio Xingu, em Mato Grosso, praticamente jogou por terra a ideia de que antes da descoberta das Américas as populações humanas na região se concentravam sempre ao longo dos grandes rios, onde era fácil a pesca e o cultivo de várzeas adjacentes aos mesmos.
A existência de geoglifos no Acre e estruturas equivalentes no Xingu indicava a existência de uma possível conexão entre os seus construtores. Mas apenas uma conexão etnolinguística (língua Arawak comum) os unia culturalmente. Entretanto, a recente descoberta de 81 geoglifos na região da nascente do rio Tapajós agregou a importante conexão arqueológica que faltava.
A descoberta foi publicada na revista Nature Communications e os autores da pesquisa (Universidade de Exeter/Inglaterra, Universidade Federal do Pará, Instituto de Pesquisas Espaciais-Inpe e Universidade Estadual do Mato Grosso) sugerem que a ocupação pré-colombiana no sul da Amazônia se estendia por 1800 km, do Acre ao Mato Grosso, e abrigava uma população estimada entre 500 mil e 1 milhão de habitantes.
Geoglifos já foram encontrados em áreas de florestas no leste do Acre e em regiões adjacentes do Amazonas e Rondônia, em áreas de Savanas nos Llanos de Moxos (Bolívia) e em áreas de florestas estacionais do alto Xingu (Mato Grosso).
No Acre os geoglifos são considerados centros cerimoniais em razão da ausência de objetos que indicassem a sua ocupação humana, e a frequente existência de aldeias circulares construídas nas cercanias dos mesmos.
Na Bolívia (Llanos de Moxos), valas circulares equivalentes a geoglifos são encontradas em ilhas de florestas no meio da Savana alagada, adjacentes a canais de manejo da água. Em muitas dessas estruturas foram encontrados objetos de uso domestico, indicando ocupação humana.
No alto rio Xingu, grandes assentamentos fortificados, algumas vezes protegidos por múltiplas valas, são descritos como formas pré-colombianas de urbanização de baixa densidade e eram interligados por uma rede de caminhos planejados.
Dados de radiocarbono estimam que as atividades dos construtores de geoglifos no Acre se iniciaram entre os anos 100-400 e encerraram-se por volta do ano 1000. Na região do alto Xingu e na Bolívia, o ápice das atividades ocorreu entre os anos de 1250 e 1500.
No artigo, os pesquisadores desenvolveram modelos estatísticos para prever a distribuição dos geoglifos e estruturas similares no sul da Amazônia. As áreas de construção dessas estruturas apresentam condições climáticas similares, caracterizadas por forte sazonalidade de chuvas (50-120 mm no quadrimestre mais seco) e temperaturas (diferenças entre mínimas e máximas absolutas variando entre 14-24 °C).
A seca sazonal nas florestas de transição existentes no limite sul da floresta amazônica (onde o leste do Acre está inserido), provavelmente facilitava a limpeza do terreno para a construção dos geoglifos. Além disso, a ocorrência de solos férteis e não encharcados provavelmente tornou a região atrativa para agricultores pré-colombianos, que possivelmente cultivaram na região formas primitivas de cultivos neotropicais.
Uma prova disso é a grande riqueza de espécies domesticadas encontradas na área, com destaque para a castanheira (Bertholletia excelsa) e a pupunha (Bactris gasipaes), a única palmeira nativa das Américas domesticada e cujo centro de domesticação está localizado no leste do Acre.
Segundo os autores do artigo, os modelos de previsão de ocorrência de geoglifos sugerem que eles foram construídos em uma área de aproximadamente 400 mil km² ao longo do limite sul da floresta amazônica. Eles também indicam a existência de 1000 a 1500 geoglifos nesta região, dos quais cerca de 2/3 ainda estão serão descobertos.
A estimativa de que a periferia sul da Amazônia abrigava entre 500 mil 1 milhão de habitantes no final do período pré-colombiano (1500) indica a necessidade de reavaliar a teoria corrente de que a maioria das populações amazônicas pré-colombianas vivia ao longo dos grandes rios da região e causavam baixo impacto em áreas de florestas de terra firme existentes nos interflúvios desses rios.
No artigo é questionada a ideia predominante dos grandes rios como as principais rotas de comunicação na Amazônia pré-colombiana e se ressalta a importância de uma rede paralela de sociedades complexas que formaram um sistema suprarregional ao longo dos interflúvios dos grandes rios e em tributários menores na periferia sul da Amazônia.

Para saber mais: “Pre-Columbian earth-builders settled along the entire southern rim of the Amazon”, de autoria de Jonas G. Souza, Denise Schaan, Mark Robinson, Antonia D. Barbosa, Luiz E.O.C. Aragão, Ben H. Marimon Jr., Beatriz S. Marimon, Izaias B. Silva, Salman S. Khan, Francisco R. Nakahara & José Iriarte, publicada na revista Nature Communications 9: 1125, 2018 (online).

*Evandro Ferreira é pesquisador do Inpa-Acre e do Parque Zoobotânico da Ufac

Fabiano Azevedo: