As nações árabes são um mercado demandante de 450 milhões de pessoas espalhadas por 22 países com perspectiva de crescimento e que, desde meados da década passada, vêm acelerando as compras do Brasil graças a um trabalho exemplar de entidades, empresas e do governo brasileiro para construir uma boa reputação do nosso País. Nesse período, essa relação evoluiu tremendamente. Hoje os árabes são a quarta parceria comercial do Brasil no exterior, compram de nós no ano cerca de US$ 13,5 bilhões em carnes, minérios, grãos e máquinas e ainda são responsáveis por 10% do superávit recorde de US$ 60 bilhões obtido com as vendas externas no ano passado. Não é pouco!
Mas a relação que o Brasil construiu com esse valioso mercado foi sistematicamente abalada por uma série de eventos que têm maculado a imagem de nossas instituições e até da nossa indústria de modo que hoje há uma clara ameaça. No ano passado, a Operação Carne Fraca levou dúvidas sobre a eficiência da defesa sanitária brasileira e sobre a qualidade do nosso produto, que até aquele momento gozava de excelente reputação. Essa situação foi contornada com um grande trabalho setorial no sentido de convencer autoridades brasileiras a dialogar com os países árabes. No entanto, meses mais tarde, a Operação Trapaça levou novamente suspeitas sobre a sanidade do frango brasileiro e sobre a governança em uma das empresas mais importantes do Brasil, que tem, ou pelo menos tinha, marcas bem posicionadas no Oriente Médio e operações industriais na região.
Por fim, a greve dos caminhoneiros, que, não bastasse ter causado prejuízos à indústria avícola de bilhões de reais, enfraqueceu o setor exportador com o cancelamento de benefícios fiscais e travou as exportações. Não há dúvidas de que o episódio levou nossos clientes no exterior a questionar se de fato podemos ser fornecedores confiáveis e capazes de manter um fluxo de comércio constante a preços competitivos. Ressalte-se que esse temor é ainda mais levado a sério quando se trata dos árabes, para quem o Brasil é o fornecedor de alimentos que não podem produzir para nutrir suas populações, que tem uma das maiores taxas de natalidade do mundo. Logo, árabes não podem ficar sem um bom fornecedor de comida.
Não há como dizer em meias palavras, mas a credibilidade do Brasil perante os árabes está em cheque. E certamente também perante outros países. Quando não se pode confiar num fornecedor, a saída é buscar outros e, se não há, é preciso ao menos tentar diminuir a dependência dele. A Arábia Saudita vem fazendo isso, ao favorecer a importação de bovinos vivos num esforço de fortalecer sua indústria frigorífica, gerar empregos locais, renda e elevar a disponibilidade de alimentos. Além disso, o país, ao questionar o certificado halal do nosso frango, como vem fazendo desde o ano passado, dá um sinal claro de que gostaria de diversificar seus parceiros e até atrair capital disposto a investir localmente na produção de alimentos em acordo com os preceitos do islã.
Também fora dos seus territórios, os árabes estão usando os 40% do capital mundial de fundos soberanos no mundo em seu poder para garantir a oferta de alimentos com a aquisição de participações em grandes empresas do setor, inclusive brasileiras. O mais recente movimento dessa natureza foi o do grupo saudita Almunajem, desde 2013 acionista minoritário da gigante francesa de aves Doux e que, recentemente, anunciou um aporte milionário na empresa junto com a LDC para ampliar fábricas na França que vão competir com o frango brasileiro no mundo árabe. É preciso estar atento aos sinais!
As entidades setoriais brasileiras estão comprometidas com a ampliação das vendas externas em diferentes frentes, muitas das quais envolvendo cooperação estreita com governo brasileiro. Mas a promoção do Brasil no exterior deve ser entendida como uma política de Estado que tenha como princípio a realização contínua de todos os esforços possíveis na manutenção e conquista de relacionamentos estratégicos, como é o caso dos países árabes. As oportunidades do mundo árabe não podem mais ser consideradas pontuais. Ao contrário, devem ser vistas como essenciais à nossa economia e à segurança alimentar do mundo.
*Rubens Hannun é presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira.