A gravidez é sem dúvidas um momento único, mágico e apaixonante. É nessa fase que se espera ansiosa o completar das 16 semanas para saber o sexo da criança por meio da ultrassonografia, e assim, definir a escolha do nome do bebê. Depois disso, pôr em prática um dos momentos mais aguardados por toda futura mamãe: o enxoval.
Berço, fraldas, roupinha, sapatinhos, macacões, decoração. Nada pode faltar e tudo já tem bordado o nome da criança –, ainda abrigada no ventre materno. É assim com toda gestante, e com Regilene dos Santos Silva não foi diferente. Antes mesmo de confirmar se era menino, ela conta que a escolha do nome já havia sido feita por ela e o marido: Enzo Bolt, em homenagem ao maior corredor do mundo, o ex-velocista jamaicano Ulsain Bolt.
“Já gostávamos desse nome antes mesmo de engravidar. Quando descobrimos que era menino, logo tratei de bordar o nome Enzo Bolt no enxoval. Meu marido gosta muito do corredor, de quem aderimos apenas o Bolt, até mesmo porque o primeiro nome era um pouco mais complicado, e achamos Bolt mais simples, tendo se encaixado perfeitamente no nome Enzo”, lembra a mãe.
Mas nem tudo saiu como planejado. O pequeno Bolt acabou vindo ao mundo antes do tempo em decorrência de uma doença hipertensiva especifica durante a gravidez, também chamada de pré-eclâmpsia. E hoje, mais de dois meses após o seu nascimento, o bebê, que nasceu pesando apenas um quilo, segue lutando pela vida na Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) da Maternidade Bárbara Heliodora.
Não bastasse o sofrimento da família em não poder levar o recém-nascido para casa, onde tudo foi preparado para a sua chegada, a luta desse pequeno guerreiro ganha agora um novo capítulo: conseguir ser registrado em cartório com o nome sonhado por sua mãe e seu pai. Isso porque os cartórios recusaram registrar a criança com a inclusão de “Bolt” em seu nome.
A Lei 6.015 de 1973 diz que os oficiais do registro civil podem se negar a registrar nomes que possam vir a constranger a criança. O que não é o caso com Enzo. Já se tratando do “Bolt”, o cartório entendeu que trata-se de um sobrenome e que o mesmo precisaria fazer parte do nome dos pais ou de qualquer ascendente da família.
Justiça vai decidir
Diante da negativa dos oficiais de cartório em efetivar a certidão de nascimento do filho, a família contesta a decisão na Justiça e justifica que Enzo Bolt é um nome composto escolhido por eles, e não sobrenome, como aponta o cartório, a exemplo de Pedro Henrique, João Paulo, entre outros registrados no Brasil.
“Tentamos registrar primeiro lá na maternidade, mas fomos encaminhados para outro cartório, na Avenida Ceará. Chegando lá, o oficial disse ao meu marido que não poderia incluir Bolt no nome do bebê, pois era sobrenome do corredor jamaicano. Tentamos convencer que Enzo Bolt era um nome composto que escolhemos, mas ele não aceitou, o que tem nos gerado muita frustração”, relata a mãe.
Consultado sobre a “justificativa” que o cartório apresentou aos pais da criança para não emitir a certidão de nascimento com o nome escolhido por eles, o advogado, Alfredo Severino Jares vai direto ao ponto: “Quem estabelece o que é nome ou sobrenome? A observância do oficial deve ser quanto aos sobrenomes de identificação familiar, ascendentes, não sendo cabível, ao meu ver, decidir se o nome apresentado é ou não nome composto”.
Observando que essa não é atribuição dos cartórios, que podem sim, recusar o registro de um nome, caso o mesmo venha expor a criança a situação vexatória, o famoso “bullying”, o advogado critica a recusa do cartório em não efetivar a certidão de nascimento do bebê.
“Vejo equívoco do oficial cartorário, vez que a negativa só possui respaldo legal quando o nome que se busca registrar pode expor a criança ao ridículo, não sendo o caso, conforme previsto na Lei n° 6015/73, Artigo 66. Vale dizer que mesmo neste caso, nome que exponha ao ridículo, a família pode discordar cabendo ao oficial suscitar a dúvida à Vara de Registros Públicos”, analisa o advogado.
Todos apoiam Enzo Bolt
Na ala de cuidados intensivos, onde Enzo Bolt é acompanhado 24 horas por dia, além de receber muito amor e carinho para sua recuperação, todos, sem exceção, médicos, enfermeiros, fisioterapeuta, e demais que fazem parte da equipe neonatal, apoiam 100% da escolha do nome do bebê.
“A equipe em si não está preocupada apenas com a questão de diagnóstico e tratamento. A gente vem com essa linha de trabalho de humanização. E a família ser impedida de registrar o bebê com o nome que sonhou nos sensibilizou muito. Uma mãe que vem passando por tantas lutas, juntamente com o pai e agora se depara com mais essa batalha que é registrar o seu próprio filho, não tem como não se comover e apoiar essa causa”, defende a coordenadora da UTI/Neonatal, Maria do Socorro Avelino.
A médica neonatologista esclarece ainda que existe um serviço de registro para a emissão de certidões de nascimentos na própria maternidade, já para facilitar a vida dos pais e também como forma de garantir cidadania aos recém-nascidos antes mesmo da alta hospitalar. Lembrando que sem esse documento, a criança fica privada de seus direitos mais fundamentais como cidadã, a exemplo de internações hospitalares e inclusão em programas sociais.
“A gente sabe que o próprio hospital tem o cartório para facilitar isso. As crianças nascem e precisam ser registradas, uma vez que muitas coisas dependem da certidão. E o caso do Enzo Bolt vem nos sensibilizando por diversos fatores, especialmente pelo sofrimento da família em não conseguir registrar o filho com o nome escolhido. Se os pais estão bem, isso contribui muito com o bem-estar da criança, o contrário disso acaba interferindo de forma negativa no resultado final”, analisa Maria do Socorro.
Como forma de ajudar a família e sensibilizar as autoridades para autorizar o registro do nome do bebê, os profissionais da UTI/Neonatal fizeram uma foto de apoio aos pais segurando cartazes com o nome Enzo Bolt.