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Os químicos sintéticos do Antropoceno – impactos na Amazônia Sul-ocidental?

Alguns meses atrás li um artigo de Nicholas Kristof no New York Times com o título “Que venenos estão no seu corpo” que me levou fazer um experimento.  Como cientista ambiental, sei um pouco da história humana em relação aos compostos sintéticos que produzimos para melhorar a nossa vida, mas que tiveram impactos negativos inesperados. Por exemplo, o uso de DDT, um pesticida persistente, na agricultura que complicou sua aplicação no controle da malária, aumentando a resistência dos mosquitos a este pesticida.   Sendo persistente, o DDT acumula-se no leite humano, levando a preocupação de que o pesticida poderia afetar a saúde humana de uma maneira inesperada.  Em outras palavras, dependendo como usamos os químicos, a cura com produtos sintéticos pode ser pior do que a doença.

Mas DDT é somente um entre 25,000 a 84,000 químicos sintéticos no comércio dos EUA e outros países.  A largura desta faixa implica que a grande maioria não tem estudos sobre os seus impactos na saúde e no meio ambiente.  A síntese de muitos destes químicos foi desde 1950, uma data usada frequentemente para indicar o início do Antropoceno, uma divisão de tempo proposta para indicar quando a atividade humana virou um fator significativo no funcionamento do nosso planeta, Terra.

Depois de ler o artigo de Kristof, fiquei curioso, como ele, para saber quais químicos sintéticos estão no meu corpo e se é diferente em comparação aos que vivem nos EUA, dado que vivo no Acre desde 1992.   Em maio deste ano tive a oportunidade de repassar amostras de urina ao Instituto de Primavera Silenciosa (Silent Spring Institute).  Alguns dias atrás, recebi os resultados que estão na tabela anexa.   Os nomes são gregos para mim, mas estou acostumado a usar números.   Fui olhar as concentrações medianas (metade das pessoas analisadas tiveram valores abaixo, metade acima) e as concentrações onde 95 % das pessoas analisadas tiveram concentrações abaixo deste valor.

Vale a pena ressaltar que os valores não são considerados ‘seguros’ porque muitos não têm estudos sobre a sua toxidade para saúde humana, menos ainda para saúde ambiental.   Só podemos comparar com amostras tiradas de pessoas nos EUA.    Eu estava abaixo ou igual a mediana em 10 dos 13 químicos, mas três deles em negrito na tabela fiquei acima das medianas.  As concentrações em dois deles foram mais altas em cerca de 95% das amostras.

Quais são as implicações desta análise?    Eu sempre fico preocupado em extrapolar a partir de uma amostra só.  No lugar de uma conclusão, apresento três hipóteses, ou seja ideias para testar.   A) Os meus resultados são altos para a população nesta parte da Amazônia.   Neste caso, podemos ficar um pouco mais sossegados porque a contaminação nos norteamericanos é bem maior.   B) Estes resultados são representativos de contaminação para a população aqui, geram preocupações porque alguns destes contaminantes são altos vis-a-vis os norteamericanos.  C) Meus resultados são menores do que os da população geral aqui. Esta situação é alarmante e precisa ser determinada logo para poder pensar em meios de reduzir a contaminação.

A realidade é A), B) ou C).  Determinar qual delas deve ser prioridade dos órgãos de saúde pública e institutos de pesquisa, pois sabendo quais contaminantes são mais críticos ajudaria  a determinar  ações a serem adotadas.   Vou chutar que o caso vai ser B) ou C).  Não uso, por exemplo, produtos para alisar o cabelo que já foram comprovados que produzem contaminação via químicos sintéticos.

Sem dúvidas existem benefícios associados com o uso de químicos sintéticos.  Mas, por outro lado, existem custos em termos de saúde e meio ambiente. Para fazer uma decisão coletiva consciente, precisamos analisar os dois lados e colocar numa balança. Afinal, muitos destes químicos são persistentes e afetam o sistema endócrino humano; estamos passando uma herança desconhecida para os nossos filhos. Vale a pena repensar como estamos fazendo isto.

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Químico sintético Concentração na urina do Foster Mediana/95% das amostras nos EUA
2,5-DCP (2,5-dichlorophenol) 150 ng/mL 1.8/180 ng/mL
2,4,5-TCP (2,4,5-trichlorophenol) ND ND/ 0.3 ng/mL
4tOP (4-tert-octylphenol) ND ND/0.3 ng/mL
BP-2 (benzophenone-2) ND ND/ND
BP-3 (benzophenone-3) 13 ng/mL 24/1210 ng/mL
BPA (bisphenol A) 7.8 ng/mL 0.82/7.7 ng/mL
BPS (bisphenol S) 0.99 ng/mL 0.52/3.6 ng/mL
butyl paraben ND ND/4.4 ng/mL
ethyl paraben 0.40 ng/mL ND/77 mg/mL
isopropyl paraben ND ND/ND
methyl paraben 5.5 ng/mL 41.7/818.9 ng/mL
propyl paraben 0.32 ng/mL 4.8/224 ng/mL
TCS (triclosan) 0.92 ng/mL 6.3/379.3 ng/mL

ND significa “Não Detectado”.

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Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente da Pós-graduação e pesquisador do PZ da Ufac.  Coordenador do Projeto MAP-Resiliência.

Fabiano Azevedo: