
Em uma sala repleta de acadêmicos de Direito, na tarde desta terça-feira, 11, um senhor aparentando ter perto dos seus 60 anos de idade pediu para falar. Usou de um português compreensível, apesar de escorregar algumas vezes e denunciar sua língua de origem, o espanhol. Em poucos minutos, ele contou que estava naquela instituição para pedir emprego.
O homem, com formação superior em engenharia elétrica, tinha nas mãos pastas para mostrar os currículos que havia deixado na Universidade Federal do Acre (Ufac), na Uninorte e, naquele momento, estava deixando também na Faculdade da Amazônia Ocidental (Faao). “Como este ano o corpo docente já está preenchido, eles me pediram três meses para que um novo processo seja aberto para o ano letivo de 2019. Mas, como vou sobreviver durante três meses sem emprego e sem dinheiro? Não posso ficar aqui parado. No Brasil não aparece espaço para a gente”.
Com a autorização da coordenação da Faao, o venezuelano conseguiu ir de sala em sala contar sua situação e pedir ajuda para comprar a passagem com destino a Brasileia e, de lá, para Puerto Maldonado. “Além de mim, têm mais 55 venezuelanos hoje aqui em Rio Branco, mas não poderemos ficar. Recebemos ajuda nesses dias da igreja, mas agora temos de seguir. Assim como eu, muitos professores, médicos, engenheiros, colegas que falam até cinco línguas estão pedindo esmola hoje para poder comprar uma passagem. O governo peruano disse que vai acolher a gente para quem tiver passaporte. Estou com o meu e vou para lá”, contou, balançando o documento no ar e contendo as lágrimas.
O engenheiro alegou estar embaraçado por ter que precisar de esmola, mas que não havia outra opção já que a sua moeda estava totalmente desvalorizada. Há alguns anos, a sua moeda, o bolívar venezuelano, chegou a valer 1.000 por 1 em relação ao dólar. Hoje, 177.000 bolívares venezuelanos (salário mínimo do país) rende apenas 2 dólares. Ele e o grupo seguiram viagem na noite de ontem.
Os venezuelanos fogem da crise política, econômica e social no país de origem e entram no Brasil, pelo município de Pacaraima, em Roraima. Essa situação ficou em evidência na mídia nacional quando os moradores daquela região começaram a agredir os estrangeiros em resposta a roubos e assaltos.
Em entrevista ao Jornal A GAZETA, a voluntária da Cáritas, que é um organismo da sociedade civil da igreja católica, Aurinete Brasil, afirma não ter o conhecimento de um grupo tão grande de venezuelanos em Rio Branco atualmente. Ela alega que na casa de passagem alugada pela Cáritas, hoje, há um venezuelano e três cubanos. “É difícil haver tantos deles aqui sem que a gente saiba, mas é possível”.
A casa da qual Aurinete fala fica localizada no bairro Defesa Civil e foi alugada pela Igreja Católica para garantir ajuda aos imigrantes refugiados. Somente este ano, já passaram pelo local 135 pessoas, entre venezuelanos, cubanos, argentinos, colombianos e senegaleses.
Entenda a situação
Entre 2017 e junho deste ano, segundo o Governo Federal, entraram no Brasil pela cidade de Pacaraima quase 128 mil venezuelanos. Contudo, mais da metade deles deixou o país: 31,5 mil voltaram para o país de origem e os outros 37,4 mil saíram de avião ou por outras fronteiras via terrestre.
Desde a morte de Hugo Chávez, em 2013, o país enfrenta uma crise política e econômica que só vem aumentando dia após dia. Nicolás Maduro, atual presidente, não consegue controlar a situação.
Essa crise levou o fluxo migratório da Venezuela ao Brasil a aumentar desde 2015, segundo a Polícia Federal. No primeiro semestre deste ano, mais de 16 mil venezuelanos pediram refúgio em Roraima. O número já é 20% maior do que o registrado em todo o ano de 2017, quando foram recebidas pouco mais de 13,5 mil solicitações.
No Acre, as igrejas acolhem esses imigrantes que, na maioria, estão apenas de passagem pelo Estado.