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Preparando para o novo normal do clima – temos outra opção?

Na semana passada, um grupo trinacional se reuniu em Rio Branco para falar sobre as preparações para possíveis inundações na região. Este grupo, chamado miniMAP Gestão de Risco e Defesa Civil, envolveu representantes dos Serviços Nacionais de Meteorologia e Hidrologia (Senamhi) do Peru e da Bolívia, da Defesa Civil Estadual do Acre, do Instituto de Mudanças Climáticas, do Governo Regional de Madre de Dios, do Ministério Público do Estado do Acre e da sociedade civil boliviana, além de pesquisadores da área.
Em essência, este grupo se reuniu para responder a duas perguntas que muitos têm latente nas suas mentes: Vai ter uma inundação severa nesta época de chuvas? E o que vamos fazer se tiver? Em 2015 a inundação, segundo a pesquisadora Dorien Dolman, somente em Rio Branco, causou entre 200 a 600 milhões de prejuízos e danos.
A resposta do grupo para a primeira pergunta sobre a ocorrência de uma inundação deixou muito a desejar. A previsão de um dos centros mais avançados no mundo para clima – o Instituto Internacional de Pesquisa da Universidade de Columbia nos EUA (IRI) – indicou chuvas normais para o período de janeiro-fevereiro-março de 2019 para a região de Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia ou MAP.
Então não devemos nos preocupar? Implícita na pergunta está a resposta de que não deveríamos, mas vamos analisar as previsões de outubro dos últimos cinco anos para os meses janeiro-março-abril: 2018 (chuvas normais e acima da normal climatológica), 2017 (chuvas normais), 2016 (chuvas abaixo do normal), 2015 (chuvas normais), 2014 (chuvas normais).
Como se pode ver, a previsão em outubro na maior parte dos anos foi de chuvas normais para o período de janeiro-fevereiro-março, mas em alguns anos a realidade ficou longe do normal. Em 2015, as chuvas levaram a uma inundação histórica do Rio Acre, em Rio Branco. Em2014, chuvas generalizadas produziram uma das piores inundações do Rio Madeira nas últimas décadas. Com esta perspectiva, a previsão para este ano de chuvas normais pode enganar. Em outras palavras, pode ser que sim, pode ser que não haverá uma inundação do Rio Acre, uma previsão pouco útil.
Como o leitor pode ver, mesmo grupos como IRI erram nas suas previsões. Este ano seria bom “preparar para o pior, e esperar que não vai acontecer,” uma resposta para a segunda pergunta sobre o que fazer. Usando os eventos recentes, seria bom planejar para uma inundação do tipo 2014 do Rio Madeira, que cortou transporte do sul do Brasil ao Acre e a Pando, acoplado no mesmo período a uma inundação do Rio Acre, tipo a de 2015.
Uma possibilidade seria fazer alguns exercícios de simulações para ver quais gargalhos vão aparecer. Com a mudança política do governo estadual, talvez seria importante fazer, pelo menos, um exercício teórico antes do dia 1º de janeiro de 2019, quando a nova equipe de governo vai assumir o poder. Segundo a Lei de Murphy (o que pode dar errado, vai dar errado no pior momento possível), espera-se uma inundação no dia 2 de janeiro.
Em outras previsões, o IRI conseguiu acertar. Em termos de secas, o recorde das últimas décadas do nível mais baixo do Rio Acre foi em 2016. Neste caso, a previsão em outubro de 2015 deu um sinal da seca antecipada e ela combinou com a previsão de temperatura: mais alta que o normal. A previsão deste ano indica que a temperatura vai ser acima do normal para fevereiro-março-abril e as chuvas abaixo do normal (ver mapa em anexo), sugerindo que devemos ficar em alerta para uma possível seca forte no ano que vem.
Com a preocupação de saber se haverá uma inundação em alguns meses ou uma seca forte em sete meses, podemos não notar que o que era normal não é mais. Localmente pessoas reparam que as friagens não são como antigamente. A frequência de inundações severas está aumentando em Rio Branco, só precisamos comparar a de 2012 com 2015. Temperaturas variam de ano em ano, mas estão aumentando no nível decadal.
Recentemente saiu um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) sobre como evitar um aumento de 2 graus centígrados na temperatura média mundial. Em outras palavras o IPCC já assume que a temperatura do planeta vai continuar a aumentar, só é uma questão de quanto. Parece um aumento trivial até se avaliar os impactos causados no funcionamento da biosfera e da sociedade humana. O relatório enfatiza como reduzir as forças causadoras deste efeito para chegar ao aumento de “somente” 1,5 graus centígrados, para reduzir o tamanho dos desastres.
Um dos perigos de inundações e secas frequentes é que esquecemos rapidamente como foi algumas décadas atrás. Já entramos num novo normal, sem saber. Antigamente, falava-se de inundações severas somente a cada nove anos. Agora o tempo de repetição reduziu para poucos anos e com amplitudes sem precedentes recentes. Para secas idem.
Precisamos adaptar-nos a esta nova realidade ou sofreremos os resultados de aplicar soluções do século 20 para os problemas de clima do século 21. De imediato, o Sr. Murphy pode aplicar a sua lei durante os primeiros dias do novo governo. Seria bom um exercício de preparação da nova equipe antes do Natal para evitar o pior.

Fonte das previsões:
https://iri.columbia.edu/our-expertise/climate/forecasts/seasonal-climate-forecasts/

Fabiano Azevedo: