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Kanarô

O trânsito ensina muito sobre a alma humana. A pé ou guiando, estou sempre observando e aprendendo.Assim como a vida,o tráfego tem suas regras e, para preservar o bem-estar e a segurança comum, é importante respeitá-las.

De qualquer modo, um princípio muito favorável a ser praticado é a gentileza. Ceder a vez, por exemplo. Com frequência, sinalizo que estou oferecendo passagem. E não raro constato que o possível beneficiado, seja condutor ou pedestre, não está prestando atenção ao meu gesto. Está olhando em outra direção, ou está distraído, ou, supondo que sua chance de passar vai demorar mais para surgir, simplesmente não consegue enxergar que o caminhojá está aberto.

O que me leva à indagação: será que também na vida a gente está querendo e precisando de algo, mas fica ansioso, ou avoado, e não consegue perceber quando a circunstância esperada se coloca disponível para nós?

Entre outros indícios, esse fato tem me mostrado como é fundamental manter-se atento ao mundo: o interno e o entorno. Porque as brechas se abrem quando a gente menos espera.

 “É fundamental manter-se atento ao mundo: as brechas se abrem quando a gente menos espera”

Pois hoje me aconteceu algo dessa natureza. Eu estava concluindo a seleção do repertório para o meu programa musical diário na rádio (e por falar em chance: Aldeia FM, 96.9, aldeiafm.ac.gov.br, às 10h da manhã, 12h em Brasília) e procurava dados para apresentar uma canção que havia escolhido.

Era “Kanarô”, um belíssimo canto dos índios Yawanawá (“Povo da Queixada”), aqui do Acre, adaptado por Shaneihu Yawanawá para a produção de seu álbum com canções tradicionais.

Eis, que, desejando ter mais informações sobre a canção, quem vejochegar aqui na rádio? Letícia Yawanawá, que vinha divulgar um evento sobre culinária indígena (em tempo: (68) 9 9946 3035).

Era o fluxo da vida me abrindo passagem e eu vi! Que alegria!

Letícia então me explicou que “Kanarô”, que significa “arara”, é um canto da tradição de seu povo, entoado para dar boas-vindas aos visitantes da aldeia, assim como é utilizado na despedida, quando então passa a expressar, também, “saudade”, dado o laço de amizade que foi afirmado naquele encontro.

E, ao ouvir tamanha lição de beleza de uma cultura, grata percebi que, mais uma vez, a vida me presenteava.

 

Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com

E-mail: onides.queiroz@gmail.com

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