Estudo realizado no Pará por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), de Piracicaba, indica que madeireiros estão fraudando o sistema de autorização para a exploração de madeira na Amazônia. Tudo aparenta ser feito de forma legal, mas é uma “legalidade fake”.
A fraude, segundo o líder do estudo, pesquisador Pedro Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais da Esalq, consiste em declarar nos planos de manejo um volume de madeira explorável muito maior do que o esperado para as florestas sob exploração. Isso permitiria ao madeireiro ficar com uma espécie de “crédito” que lhe garantiria legalmente não apenas extrair mais árvores do que o permitido em uma determinada área, mas também “legalizar” madeira retirada ilegalmente de áreas nas quais a exploração é proibida.
No estudo, publicado em agosto passado na prestigiosa revista Science Advances, os pesquisadores analisaram 427 planos de manejo realizados no Pará entre 2012 e 2017. A suspeita de fraude surgiu porque a superestimativa no volume de madeira ocorria sempre para as espécies comercialmente mais valiosas, cujos planos de manejo eram sempre assinados por um número reduzido de engenheiros florestais.
O Pará, com uma extensão territorial equivalente à do Peru, possui pouco mais de 55 fiscais para atuar na fiscalização e controle de sua atividade madeireira. Isso explica parcialmente a estimativa de que 44% da extração madeireira lá realizada entre 2015 e 2016 tenham sido feita de forma ilegal.
No Brasil, a autorização para a exploração madeireira é dada por volume de madeira (m³) e não por árvore individual. Na fraude observada pelos pesquisadores da Esalq, os responsáveis pela elaboração dos planos de manejo declararam a existência de árvores maiores do que elas são no campo (altura e diâmetro) – portanto, um volume em m³ muito maior. Essa estratégia permitiria a derrubada de um número muito maior de árvores na área licenciada e, possivelmente, a legalização de outras oriundas de lugares distintos, até que se atinja o volume autorizado.
Para comprovar a fraude, as informações contidas nestes planos foram comparadas com o resultado do levantamento do potencial florestal de 11 espécies de madeira nobre nativas da região realizado na década de 70 pelo projeto Radam Brasil, que utilizou imagens de radar e verificação in loco para determinar a densidade (quantidade de árvores por hectare) das mesmas.
No caso da espécie “Ipê” (Nome científico: Handroanthus serratifolius; Família botânica: Bignoniaceae), que naquela parte da Amazônia apresenta uma densidade natural que raramente ultrapassa uma árvore por hectare, verificou-se uma estimativa irreal de ocorrência da espécie que variou entre 40 e 50% a mais.
Durante o estudo observou-se ainda que os responsáveis pela elaboração dos planos de manejo fomentaram de forma proposital a identificação botânica equivocada das árvores na floresta. Pelo menos 13 espécies de menor valor comercial eram declaradas como Ipê, principal alvo dos madeireiros pelo alto preço no mercado internacional (cerca de US$ 1 mil por m³). Esse “excesso” de árvores identificadas como Ipê tem como objetivo viabilizar o transporte e a comercialização de “Ipês verdadeiros” extraídos de áreas não autorizadas.
A verificação em campo das autorizações para a exploração do Ipê foi feita em seis propriedades na região de Santarém, que juntas somaram uma área de 671 mil hectares, e nas quais foi autorizada a extração de 2.189 m3 de Ipê. O resultado permitiu aos pesquisadores estimar que cerca de 1.000 m3 autorizados eram falsos e possivelmente serviram para legalizar madeira extraída ilegalmente de áreas não autorizadas, como reservas indígenas, unidades de conservação, terras devolutas e áreas ribeirinhas.
Em declaração ao site da BBC Brasil, o biólogo Saulo de Souza, um dos coautores do artigo, afirmou que “Em média, naqueles planos de manejo que parecem ter sido fraudados, os volumes indicados são o dobro do verdadeiro. Especificamente com relação à extração de ipê, 77% dos planos foram aparentemente fraudados”.
Os pesquisadores estimaram que cerca de 3 milhões de m3 de madeira oriundos de várias espécies nativas – equivalentes a cerca de 482 mil árvores – foram extraídas ilegalmente dessa forma. A posterior exportação “legal” dessa madeira para a Europa e os Estados Unidos rendeu aos madeireiros US$ 52 milhões entre os anos de 2012 e 2017, período de realização da pesquisa.
Com base os resultados da pesquisa, apreensões feitas pelo Ibama e uma investigação conduzida pelo Greenpeace, os autores do artigo sugerem que a fraude detectada funcionaria como uma espécie de “lavagem de madeira”, pois viabiliza não apenas a legalização da exploração madeireira ilegal, mas também a sua distribuição e comercialização no mercado interno e externo.
Para mitigar o problema observado, os pesquisadores recomendam a adoção de um novo sistema eletrônico que disponibilize publicamente as autorizações de exploração de modo a viabilizar o confronto dos dados informados e, em caso de suspeitas, a solicitação de uma verificação de campo.
Entrevistado pela Revista Fapesp, o autor principal do artigo, Pedro Brancalion, afirmou que “A exploração madeireira é uma atividade econômica legítima e não tem que ser proibida, mas bem regulamentada e fiscalizada”.
Para saber mais: Pedro H. S. Brancalion e outros: Fake legal logging in the Brazilian Amazon. Science Advances, vol. 4, no. 8, 15 ago. 2018.
Evandro Ferreira é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazönia (Inpa)-Acre e do Parque Zoobotânico (PZ) da Universidade Federal do Acre (Ufac).