Vinham como dois meninos brincalhões, percorrendo a estrada que conduzia à casa: riam, gesticulavam, matraqueavam. Falavam de algo inquietante, envolvente. Da janela, eu acompanhava a cena. Logo entrariam e me contariam o que sucedera há pouco, excitados como crianças que narram para a mãe as aventuras vividas durante o dia.
Havíamos encomendado lenha e eles foram receber o caminhão, na entrada do sítio. O motorista do veículo era o chefe da equipe. E, logo descobririam, também o mais forte dos três. Na descarga levava, sem grande esforço, quase o dobro de peso que os colegas. Apesar de corpulento, longe de assumir a atitude vaidosa que muitos grandalhões ostentam, tinha um trato simples e gentil.
E eis que, no vaivém da operação, surge o inesperado: uma cascavel entre os tocos. Volumosa, de bitola sinistra.
A proximidade da serpente causou alvoroço, um tal de “mata!”, “mata!” instantâneo. Os homens todos exaltados, menos o tal moço, que permaneceu sereno.
– Calma, gente! – pediu, cordial – Pra trás.
“No vaivém da operação, surge o inesperado: uma cascavel entre os tocos”
Foi até a cabine do caminhão, pegou uma caixa e abriu. Então, tranquilamente se aproximou da víbora e, sem que ela oferecesse qualquer resistência, pegou-a pelo pescoço. Um ato de bravura indiscutível. E, enquanto os outros se afligiam, receosos, ele ainda justificou:
– Eu não mato porque do veneno desta bichinha aqui se faz um soro que salva muitas vidas. Vou mandar pro Instituto Butantan, em São Paulo – e fechou-a na caixa.
Finalizaram o serviço, receberam e foram embora, deixando meus amigos desconcertados com o testemunho do episódio memorável.
Mas, para mim, que apenas ouvi o relato disso tudo, o mais engraçado foi assistir a eles, divertidamente, introduzindo-me ao assunto:
– Hoje nós conhecemos um homem.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com
E-mail: onides.queiroz@gmail.com