Estava meditando há pouco sobre as razões ou paixões que levam alguns a agir e a reagir das formas mais diversas possíveis. Não é necessário tanto estudo para que a alma seja levada a mergulhar nas profundezas do racional mais puro, como Immanuel Kant. Da mesma forma, não é preciso amar demais para se deixar levar pelos engodos e feitiços do entusiasmo muitas vezes sem sentido. Calma!
Uma matrona de mais ou menos cinquenta voltas e uma dúzia de remendos e botox à flor da pele, neste ínterim da vida antes folgazã e serelepe, já não vislumbrava à distância o mancebo fértil e massudo de vinte janeiros. Não. De forma alguma. Jamais. Ela, agora, já tomara chegada e, qual jaguatirica faminta, mesmo ali, na surdina, de par com ele à mesa de veraneio, na pérgula à beira da piscina, falava-lhe sobre as mil e uma facilidades de uma mulher de posses a perder de vista, que dava e tirava empregos de muitos em uma só semana ou a qualquer hora. Dizia-lhe que a engenharia estudada por um moço de tantos predicativos, como ele, merecia, imediatamente, tão somente concluísse o curso de graduação, pós-graduações na Suécia e na Alemanha, em níveis de doutorado e PhD.
O garotão assentia com meneios de cabeça e o pensamento já voava pelas super oficinas da Volvo e da Mercedes. O sonho acordado o levava em travessia pelo Atlântico passando sem ver as Canárias, os Açores e a Ilha da Madeira. Já sequer falava o português ou remendava o espanhol. Teria um amigo chamado Hans, em Berlim, e um de nome Patterson, em Estocolmo. Enfrentaria o frio e a hibernação relativa dos invernos europeus do norte. Deste esforço tiraria um futuro pra lá de brilhante, como sempre quiseram os seus pais. Estes, então, seriam retirados de Francisco Morato, o bairro paulistano violento, e teriam mansão cheia de classe no Morumbi. Era o que pedira a Deus que é pai e não é padrasto. De barman passaria e pesquisador sênior das grandes multinacionais da engenharia mecânica e robótica… E bota dólar e euro nisso! Ô raios!
Pow!
O moleque acordou. A dama loura em perfume Ferrari, de alta experiência e ancas bem colocadas pelos melhores bisturis, depois de um lauto copo de champanhe, com os beiços um pouquinho encolhidos pelos verões fantásticos debaixo de sol e lua, já lhe procurava os lábios juvenis em cor de rosa; apenas isto e muito mais daqui a pouco, é claro, com o consentimento ávido do aprendiz de troteador infanto-juvenil.
Carícias fugazes e quentes trocadas ali mesmo mandaram a vergonha ir-se embora. Foram parar debaixo do chuveiro e, depois, já se amavam na piscina, à noite, longe dos olhos dos seguranças que tinham medo de fazer qualquer abordagem à coroa.
Nesta noite, dormiu na casa dela o Gustavinho, em Vila Mariana, num apê duplex decorado como ele jamais houvera visto, com lustres e arandelas, móveis de finíssimo acabamento, cortinas de seda e uma super geladeira cheia de guloseimas dentre as quais algumas latinhas verdes de Cintra, a cerveja que veio de Portugal.
O rapazola bom de bola e com molas nos quadris rebolou que rebolou e deixou a matrona sem fôlego a pedir que ele parasse o sacolejo febril e incansável, ao que ele concluiu em pensamentos flamejantes:
– Garanti o meu futuro, agora, de par em par com esta moça dengosa com a idade de ter a minha idade, não fossem os meus anos verdes demais… Não importa. Quero um futuro melhor que aquele que o meu pai poderia dar… Estou feito, agora!
Passaram-se, então, alguns dias e o romance corria de vento em popa. Ele já viera morar com ela. Dissera aos pais, por telefone, ter arranjado uma fada madrinha que lhe ajudaria a chegar lá.
Dois meses e meio, então… E, numa calçada de ladeira em Perdizes, já a bordo de um possante honda civic, não suportou a pressão e fez embarcar a Sofiazinha, em roupas mínimas devido o dezembro, com quem, em minutos, entrava no hotel Mirador, no Embu das Artes.
Danou-se. A casa caiu. Houvera sido visto por um porteiro ali das redondezas. Obra do poder investigativo da matrona abelhuda e esperta como um lince.
O nosso artista mínimo houvera se acostumado à mordomia. Já não suportava viver como pobre. Nunca mais pisou no terreno escorregadio de Francisco Morato. Enfim, não concluiu o curso de engenharia, na Politécnica, tão sonhado pelos pais, dado ser o menino bom com os números e com o equilíbrio das leis da física, que se distanciam e se aproximam das alcovas por onde viçou por anos a fio.
É claro que a matrona de muitas voltas esqueceu o guri arteiro e também os cursos dele na Europa. Deu-lhe o famosopassa fora, posto que pulhas como aquele mourejam ali na região dos jardins feito moscas em peixe podre.
E assim, minhas senhoras, passados dois anos, o Gustavinho foi do luxo ao lixo. Também, segundo ele próprio, já até houvera enjoado a matrona esticadíssima, quase tesa, em cirurgias plásticas a perder a conta…
Mas não era bem assim. Ele ficou sem os jeans e os nikes. Também lhe foi subtraído o carrão, a vivenda poderosa, o rango da hora e as estripulias nos randez vous e botecos chiques de Vila Madalena.
Não mais teve solução ou saída para a vidinha borbulhante do nosso agora mandrião. Virou garoto de programa, pervertido sobrevivente prostituto de luxo em companhias de homens e mulheres a quem a vida presenteou a solidão e o escárnio do sexo desconhecido. De bar em bar, sempre com um celular moderno comprado de chineses, posava de boa pinta e boa praça marcando encontros com quem lhe aparecesse com alguns dólares à disposição.
De início, apareciam-lhe senhoras rodadas, de muitas voltas, e viúvas sem porvir, no dizer do Chico. Depois, foi a vez de a clientela mudar de gênero. Homens de certa posição buscavam a sua companhia e a sua precisão cirúrgica no trato corporal. Na hora precisa, inclusive, passou a fazer a inversão dos papéis com quem quer que fosse.
Amantes desse naipe ficam com ciúmes e se sentem traídos por qualquer coisa, como se nesse mundo em desvario e prostituição aberta e incestuosa não fosse tão normal. Lá, ninguém é de ninguém e todos se aproveitam do que todos têm a oferecer. Uns vendem a libido. Outros ganham o sustento, a vida às vezes pela hora da morte.
Enfim, levou dois tiros na cara e hoje habita o cemitério de Vila Carrão, aquele onde os paulistanos pobres são enterrados, principalmente, os mortos nas escaramuças de Ermelino Matarazzo e adjacências.
Resumo da ópera tosca de mais um herói sem caráter, feito um macunaíma gay: quis traçar todo o mundo e findou sendo comido, sim, agora pelos vermes infatigáveis que não poupam nem os habitantes das lápides mais luxuosas.
Com a Marietinha também foi assim. Em noite nebulosa, em Sampa, conheceu o Sebastopoulos, grego, bem de vida, de sessenta e quatro voltas, mas sem rugas. Com a crise da zona do euro, ele quebrou. Os filhos haviam corroído tudo e ficaram apenas dívidas. Ela voltou a lavar com lágrimas as louças de um navio mercante. Resultado é que hoje a moçoila tira chopes madrugada adentro num boteco de luxo da Rua Dona Maria Paula.
Tendo na mira atletas de alcova de ambos os gêneros, o nosso sábio heterônimo, Astrogildo Berimbau, espírito transviado que a mim aparece nas madrugadas de segunda e me acompanha rumo ao mercado dos peixes, foi extremamente incisivo ao afirmar que toda moça que bem se posta ao lado de um homem de certa idade com pose de rico, a quem diz amar devotadamente, tem a cara de oportunista e o jeito de pobre, ou o jeito de oportunista e a cara de pobre, na base do toma lá dá cá.
E olhe que dificilmente ele erra!
Claudio Motta-Porfiro é escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível através do https://www.facebook.com/claudio.porfiro >