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Saúde em risco: maioria dos poços de água nos bairros “Cidade Nova” e “Vila Acre” é contaminada

Qualidade da água do aquífero “Rio Branco” pode estar comprometida

A captação doméstica de água subterrânea por meio de poços é uma tradição que prevalece no Acre desde a chegada dos seus primeiros habitantes. Inicialmente usavam-se as “cacimbas”, poços pouco profundos, de pequeno diâmetro e sem paredes revestidas, geralmente construídas nas proximidades de fontes de água. Depois, a necessidade de cavar em lugares com lençol freático mais profundo popularizou a construção de “cacimbões”, poços com mais de 1 m de diâmetro, muitas vezes com mais de 10 m de profundidade e paredes total ou parcialmente revestidas para evitar desmoronamentos.

Até hoje a construção de poços é algo indispensável para moradores da zona rural, mas nas zonas urbanas a prática deveria ter sido abandonada por ocasião da implantação dos serviços de tratamento e distribuição de água potável. Infelizmente isso não aconteceu no Acre, pois, aparentemente, a implantação dos sistemas de tratamento e distribuição de água em nossas cidades nunca foi feita para atender integralmente as mesmas, resultando em um serviço que invariavelmente é prestado de forma precária.

Dados de 2016 publicados pelo “Instituto Trata Brasil” indicam que em Rio Branco somente cerca de 60% da população da cidade foi atendida pela empresa responsável pelo tratamento e distribuição de água potável (Depasa). Essa deficiência também pode ser creditada ao crescimento populacional abrupto ocorrido em muitas cidades acreanas – com destaque para Rio Branco –, que não foi acompanhado pela expansão correspondente da rede de distribuição de água.

Por essas razões, até hoje a construção e a manutenção de poços caseiros para a captação de água é uma “necessidade” para muitos moradores das cidades acreanas. E isso representa um risco à saúde destas pessoas em caso de contaminação das águas subterrâneas na região onde vivem.

No Brasil, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), cerca de 48% dos esgotos produzidos são lançados a céu aberto. Nas cidades, onde a densidade populacional e a correspondente produção de esgoto são elevadas, a ausência de sistemas eficientes de coleta e tratamento desses efluentes resulta, invariavelmente, na contaminação das águas subterrâneas pela infiltração oriunda de fossas negras e pelo escoamento superficial da água da chuva que entra em contato com o esgoto lançado a céu aberto.

Rio Branco é um bom exemplo dessa situação. Aqui a coleta de esgoto atingiu apenas 24% da população em 2016, colocando-a como a 7a. pior cidade do país no ranking de atendimento urbano de esgoto – dentre os 100 maiores municípios do país em população. Essa condição sugere que o uso de poços domésticos para a captação de água pelos habitantes de nossa cidade se constitui em um risco à saúde das pessoas que se utilizam dessa água. E não adianta argumentar que a água dos poços não é usada para beber: é com ela que se preparam alimentos, se lavam as louças e roupas, se faz a limpeza doméstica e a higiene pessoal de adultos e crianças.

Essa impressão foi confirmada por um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac) nos bairros Cidade Nova e Vila Acre, no segundo distrito de Rio Branco. Eles avaliaram a qualidade de amostras de água extraídas de 15 poços existentes em residências desses bairros e os resultados são os piores possíveis.

Dos poços avaliados, 87,5% apresentaram a presença de Coliformes Totais. Segundo a Resolução N° 357 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), os mesmos deveriam estar ausentes se a água dos poços for destinada ao consumo humano. Conclusão: a água é imprópria para o consumo humano.

Quando se analisou a presença de Coliformes Fecais (Escherichia coli), bactérias associadas a fezes de animais de sangue quente (incluindo humanos), verificou-se que 62,5% dos poços na Vila Acre e 57% na Cidade Nova estavam contaminados por esses microrganismos. Para os pesquisadores essa situação é gravíssima, pois se a água desses poços estiver contaminada por Escherichia coli, os usuários pode ser afetados por doenças como disenteria bacilar, infecção urinária, meningite em recém-nascidos e peritonite. Água de poços caseiros passíveis de contaminação por fossas negras adjacentes podem promover, por exemplo, a disseminação da febre tifoide.

O estudo demonstrou também que todos os poços do bairro Vila Acre e 57% dos poços na Cidade Nova apresentam água acidificada. Embora não represente risco à saúde, pois a maior ou menor acidez da água muitas vezes reflete as características das águas nas diferentes partes da Amazônia, é possível que a presença de fossas ou tanque sépticos possa estar contribuindo para essa acidificação.

Outro aspecto relevante do estudo é o fato de todos os poços avaliados estarem localizados sobre o aquífero “Rio Branco”.  Esse aquífero encontra-se em sua maior parte no segundo distrito da cidade de Rio Branco, abrange uma área estimada em 12 mil hectares e ocorre em uma profundidade que varia entre 2 e 10 metros. Ele é um aquífero do tipo “confinado drenante”, com a camada superior semipermeável e a inferior permeável.

Por ser permeável, a contaminação verificada nos poços dos bairros Vila Acre e Cidade Nova indica que possivelmente a água do aquífero também deve estar sendo contaminada. E as perspectivas de intensificação dessa contaminação são as piores possíveis. Atualmente o bairro Vila Acre – em uma faixa de terra localizada entre a rodovia AC-40 e a margem do rio Acre, conhecida como Benfica/Ramal Bom Jesus – é uma das zonas de maior expansão urbana desordenada na cidade: construção de habitações em locais sem ruas, redes de esgoto, água tratada e energia elétrica.

Esta situação deveria despertar nos administradores da cidade, nas autoridades ambientais e na classe política em geral uma reação imediata visando preservar a qualidade da água armazenada no aquífero. Afinal, ele é a única fonte alternativa de abastecimento de água potável para a cidade de Rio Branco caso, daqui a aproximadamente 15 anos, a captação de água no rio Acre para o abastecimento da cidade entre em colapso no período do verão amazônico, conforme alguns estudos tem indicado.

Para saber mais:

– “Uso do solo e a qualidade da água subterrânea: estudo de caso do aquífero Rio Branco, Acre, Brasil”, de autoria de Alexsande O. Franco, Frank O. Arcos e Jessiane S. Pereira, publicado na revista “Águas Subterrâneas”, vol. 32, n°. 3, 2018.

– Relatório anual “Ranking do Saneamento”, publicado pelo Instituto Trata Brasil, 2018.

Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC.

Fabiano Azevedo: