O presente artigo aborda temática fascinante e rica em meio à cultura brasileira: os ditos populares. E, para navegar um pouco neste campo fértil da linguagem, é bom lembrar que a língua, como produto social, instaura uma realidade imaginária, dá vida às coisas inertes, traz o passado para o presente, faz ver o que ainda há por vir, usa o conhecido para compreender o desconhecido. Essa capacidade de atribuir significação, de inventar símbolos, de exprimir emoções, de nomear as coisas, de criar conceitos, etc., deve-se à capacidade de representação simbólica do ser humano, como fonte comum do pensamento, da linguagem e da sociedade.
O <<dito popular>>, como o próprio nome diz, é a expressão que através dos anos se mantém imutável, aplicando exemplos morais, filosóficos e religiosos. Assim é que os provérbios e os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura. Pesquisadores e escritores já tentaram descobrir a origem dos ditados populares, mas essa tarefa não tem sido nada fácil. Vejamos algumas explicações interessantes, mas sem base histórica, sobre alguns ditos conhecidos da cultura brasileira.
A pressa é inimiga da perfeição – Esta frase antológica passou ao acervo de ditos célebres pela pena do famoso jurisconsulto brasileiro Rui Barbosa de Oliveira, ao comentar a rapidez com que se redigia o Código Civil Brasileiro, que trouxe, em sua versão final, preciosas anotações do mestre. Os detalhes sempre foram importantes, nas redações das leis como nas obras artísticas. Ao longo dos carnavais, várias foram às escolas de samba que perderam pontos importantes pelo desleixo com pormenores. O águia de Haia, como era chamado por sua atenção em famosa conferência que pronunciou na Holanda, acrescentou que a pressa é também “mãe do tumulto e do erro”.
É de tirar o chapéu – Foi no reinado de Luís XIV, o Rei Sol, que a França disciplinou as saudações feitas com o chapéu. O costume vinha dos templos da mais parda das eminências, o cardeal Richelieu, à época de Luís XIII. Os cumprimentos podiam ser feitos com um toque na aba; erguendo-o um pouco, sem retirá-lo da cabeça; tirando-o inteiramente ou fazendo-o roçar no chão, quase como uma vassoura, tudo dependendo da importância social de quem era saudado. Como se sabe, os Luíses XIII e XIV foram reis que se preocuparam muito com chapéus. Logo depois, um dos mais famosos da seqüência, Luís XVI, perdeu muito mais do que o chapéu: a própria cabeça, na Revolução Francesa.
Errar é humano – Frase do escritor latino Sêneca, o filósofo perceptor do imperador Nero. Sêneca foi bom professor, mas seu aluno desvairado decretou-lhe morte das mais cruéis, ordenando que cortasse os próprios pulsos. O filósofo escreveu diversos livros, entre diálogos, tratados e cartas, e seus ensinamentos estavam baseados na doutrina dos estóicos. São-lhe atribuídas à autoria de obras célebres como Medéia, As troianas e Fedra. Teólogos cristãos, quando citam a frase, costumam emendá-la, escrevendo: “errare humanum est, sed perseverare in erro autem diabolicum”. “Errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico”.
O poder é o afrodisíaco mais forte do mundo – O Prêmio Nobel da Paz de 1973, Henry Alfred Kissinger (73), surpreendeu os jornalistas com esta frase que ficaria famosa, proferida em entrevista coletiva que tinha como assunto principal às negociações que levariam ao fim da guerra do Vietnã, nos anos 70. Responsável também pelo cessar-fogo de uma das muitas guerras travadas entre árabes e israelenses, Kissinger foi o secretário de Estado de 1973 a 1977 e um dos primeiros idealizadores das aproximações políticas dos Estados Unidos com a ex-União Soviética e a China. Atuando como um dos homens mais poderosos do mundo numa época marcada pela geração que proclamava ser melhor fazer o amor do que a guerra, apresentou, com esta frase, um outro mirante de desejo.
Os aduladores são os piores inimigos – A cada nova mudança no governo, surgem, inevitáveis, os aduladores, que se comprazem em lisonjear com o fim de obter recompensas que de outro modo não alcançariam, dada a ausência de méritos. Em todas as sociedades, os favores prestados aos aduladores demonstram ser perigoso àqueles que os concederam, beneficiando apenas aos puxa-sacos, que é como a linguagem popular, sem nenhum eufemismo, os denominou. A frase é do historiador latino Públio Cornélio Tácito (55-120), alertando as autoridades romanas contra esta praga universal. O mesmo pensamento foi expresso, em outras palavras, na Bíblia, em textos de doutores de Igreja.
Como é possível notar, a língua de uma sociedade humana, que pensa e fala nessa língua, é a organizadora da sua experiência e, por essa razão, modela o seu ‘mundo’ e a ‘sua realidade social’. Com isso cada língua contém uma visão específica do mundo, segundo os costumes do povo. Estudiosos, após análise de diferentes concepções de língua e de linguagem, defendem a tese de que a linguagem age sobre o comportamento dos homens, sendo ela, não só um dos elementos, mas também um dos co-criadores da cultura dos homens, conforme retratam, no texto, os ditos populares, no que estamos de pleno acordo.
DICAS DE GRAMÁTICA
POR QUE, PORQUE, POR QUÊ, PORQUÊ, quando empregá-los?
1) Por que (separado e sem acento). É usado quando inicia ou introduz uma oração interrogativa. Exemplo: Por que você chegou tarde?
2) Por quê (separado e com acento). É empregado com o acento quando aparece no final de orações interrogativas. Exemplo: Você chegou tarde por quê?
3) Porque (junto e sem acento). Nessa forma é uma conjunção – usada em respostas. Exemplo: Cheguei tarde porque o trânsito está ruim.
4) Porquê (junto e com acento). Nessa forma é um substantivo. Exemplo: Não sei o porquê de tanta ousadia.
FEBRE ALTA EXISTE, PROFESSORA?
– Na medicina gramatical não existe febre alta nem febre baixa. Na verdade, toda febre é temperatura alta. Então basta dizer: Ele não tem febre ou ele tem febre.
A ENFERMEIRA PODE TIRAR A PRESSÃO DO PACIENTE?
– Olha, se ela fizer isso o paciente morre. O que ela deve fazer é medir a pressão do paciente.
ALGUMAS PALAVRAS, QUANDO NO PLURAL, ADQUIREM SIGNIFICADOS DIFERENTES?
-Sim, isso acontece. Vejam:
Ouro, no singular, é o metal precioso.
Ouros, no plural, é um dos naipes das cartas do baralho.
Bem é o contrário de mal.
Bens são as propriedades que uma pessoa tem.
Letra é um caractere do alfabeto.
Letras é o curso universitário.
Liberdade é o poder de escolher.
Liberdades é quando a moça repreende o rapaz apressadinho: – Vamos parar com essas liberdades?!
Luísa Galvão Lessa Karlberg, IWA – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras; Memmbro da perene da IWA; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Poeta; Escritora; Pesquisadora CNPq.