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Quando o crime alimenta bocas famintas, mas as aprisionam em um cativeiro sem fim

“Fiz de tudo para ajudar a minha família”. Essa é a frase de um ex-interno do Instituto Socioeducativo do Acre (ISE) ao relatar sua história de vida. Nessa reportagem vamos chamá-lo de ‘Franzino’, uma referência ao seu porte físico. Ele conta que, para ajudar o pai, alcoólatra, procurou no mundo do crime uma forma rápida de ganhar dinheiro e, assim, sustentar os três irmãos pequenos. Hoje, aos 19 anos, ‘Franzino’ sonha com dias melhores para a família que mora em uma casa simples no bairro João Paulo II, periferia de Rio Branco.

“Graças a Deus eu pude mudar de vida, senhor. Mas muitos dos ‘muleques’ que foram internos comigo saíram e voltaram para lá. Entrei nessa vida por necessidade. Não tinha oportunidades para o jovem, sabe. E isso surgiu como uma oportunidade para ganhar dinheiro e ajudar minha família, tá ligado?”, relata ele, com um semblante triste ao lembrar do passado.

Com o dinheiro do crime, ‘Franzino’ auxiliava a mãe nas compras de casa, uma vez que o pai nem sempre tinha dinheiro, isso porque os poucos serviços que fazia como roçador de quintais gastava com o vício. Mas ele também, como todo adolescente, sonha com um sapato de marca, com roupas da moda. Ele conta que antes da apreensão, ostentar era seu divertimento. “Sempre gostei de ouvir funk, curtir com as meninas. Era uma vida boa, mas tinha sempre uma preocupação. Tinha que dar conta daquilo que me era entregue [a droga], senão rodava”, comenta ele, ao falar sobre a venda de entorpecentes.

‘Franzino’ faz parte de uma estatística de jovens que tiveram problemas com o crime. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de novembro de 2018, aponta que no Brasil mais de 22 mil jovens cumprem alguma medida socioeducativa nas 461 unidades em funcionamento no país. Esse número corresponde apenas aos adolescentes que cumprem medidas em meio fechado. Não leva em consideração os que estão em semiliberdade ou liberdade assistida.

Ainda com relação ao número de jovens em meio fechado, 3.921 mil deles aguardam sentença. O número de meninas internas é bem inferior ao de meninos. Apenas 841 meninas estão nas unidades socioeducativas. De meninos o número é de 21.362.

No Acre, aproximadamente 750 menores de idade cumprem medidas em oito centros de internação. Para cuidar desses jovens, apenas 250 agentes se revezam para fazer a segurança e aplicar as atividades referentes a proporcionar a reinserção dos socioeducandos no meio social.

Os dados citados acima foram repassados pelo presidente do Sindicato dos Agentes Socioeducativos do Acre, Willisson Viana. Ele conta que são, em média, 230 agentes com contratos provisórios, sendo que os contratos vencem em abril. “Fazer um processo novo é um custo alto para o Estado. O ISE nunca fez concurso. Os agentes [efetivos] que tinham eram do Iapen”, lembra.

Com a nova gestão que tomou posse em 2019, o Instituto Socioeducativo do Acre (ISE) pretende fortalecer as ações de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei. Isso inclui a realização de parcerias com instituições de educação profissional para ministrarem cursos a esses meninos e meninas. As ações estão previstas no plano dos primeiros 100 dias de governo.

Redução da maioridade penal: problema ou solução?

A redução da maioridade penal voltou às rodas de discussões, seja nas ruas, seja nas redes sociais, em 2019. E, como consequência, o assunto será analisado pelo novo Congresso Nacional que assume em fevereiro. Tendo como um dos defensores da redução o presidente da República Jair Bolsonaro, o tema deverá, sim, entrar na pauta dos congressistas.

Mas, a redução de 18 para 16 anos divide a opinião de especialistas. Para a advogada criminal, Helane Christina da Rocha Silva, a mudança não trará como efeito a redução da criminalidade, mas sim um aumento da população carcerária. Ela acrescenta, também, que um jovem de 16 anos cumpra pena em presídios para adultos, ou seja, o psicológico desse indivíduo ainda está em formação.

“Na nossa atual sociedade, a forma social que se instalou, exige, de maneira imediata, mudanças, começando por políticas públicas de educação. É notório que nos países que reduziram a maioridade penal não se viu uma sensível redução de crimes, mas sim recordes de população carcerária. Em pesquisa apontada, nos 54 países que reduziram a maioridade penal, não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, e não a causa. Aumentar o período de internação de um menor que comete crimes hediondos pode ser uma solução, mas não é razoável que um adolescente que comete um ato infracional seja tratado da mesma forma que um indivíduo adulto”, pondera Helane Christina.

Ela indica a Educação como barreira para a entrada desses jovens no mundo do crime, e aponta dentro desse viés educacional saídas práticas para a resolução do problema. “Ninguém nasce delinquente ou criminoso. Hoje em dia, o jovem entra na vida criminosa por vários fatores, como a falta de afeto familiar, a falta de escolaridade. Vejamos que a educação está presente em quaisquer tipos de discussão acerca do assunto. Os adolescentes não precisam de muros altos e prisões, nem de ser colocados no mesmo patamar de adultos experientes, mas sim de políticas sociais que coloquem os jovens no caminho da educação. E tem vários fatores que podemos citar: escolas em tempo integral, incentivo ao primeiro emprego, escolas técnicas profissionais, geração de empregos diretos aos jovens sem a necessidade de experiência, pois um jovem que está à procura de emprego, muitas vezes não consegue sua vaga por não ter experiência naquele cargo”, salienta.

Consulta popular e opinião pública

Já o advogado Bernardo Cardoso defende que se a decisão de se reduzir a maioridade penal for levada a sério pelo Congresso, a discussão poderia passar, antes, por uma consulta popular, por meio de um plebiscito.

“No Estado Democrático de Direito, qualquer decisão que abale todos os setores sociais necessita passar por uma consulta popular, a democracia participativa é essencial nesse assunto polêmico que desperta um debate intenso e acalorado em ambos os lados”, ressalta.

O pensamento de Cardoso vai ao encontro de pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha, em que aponta que 87% dos brasileiros defendem a redução. Contrários à mudança representa 11%, sendo que 1% é indiferente e 1% também dos brasileiros não souberam responder a pesquisa.

A pesquisa revelou, também, dados interessantes. As regiões Centro Oeste e Norte tiveram os maiores índices que defendem a redução: 93% e 91%, respectivamente. Os grupos que rejeitam a redução da maioridade penal como medida de reduzir os números da violência no país são dos mais escolarizados e ricos. Eles representam 23% o primeiro, e 25% dos mais afortunados.

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