Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Quando o dinheiro apreendido do crime transforma sonhos em realidade

A apresentação de um projeto ao Poder Judiciário para conseguir recursos e reformar uma casa abandonada em Cruzeiro do Sul foi o pontapé inicial para a criação do Conservatório Musical do Juruá, que começou a ganhar forma após a liberação de um dinheiro apreendido do crime pela Justiça.

Inaugurado em outubro de 2016, a iniciativa foi idealizada pelo Ministério Público do Acre (MP/AC), por meio do promotor de Justiça Iverson Bueno, em parceria com o Exército Brasileiro e o Poder Judiciário.

Inicialmente, o projeto atendia cerca de 40 crianças e jovens entre 7 e 17 anos de idade. Mesmo antes de completar um ano de criação, ganhou força e, hoje, o conservatório atende mais de 400 integrantes.

O primeiro projeto desenvolvido pelo conservatório possui um nome sugestivo. O ‘Musicalizando Pessoas com Amor e Carinho’ foi criado com o objetivo de tirar crianças e adolescentes das ruas através do poder da música.

As atividades ocorrem de segunda a sexta-feira, no período da manhã e da tarde, sempre conciliando com o horário de aula das crianças. São ministrados cursos de canto, percussão, violino, violoncelo, saxofone, trompete, flauta, contrabaixo acústico, entre outros.

Iverson Bueno conta a experiência que teve ao fazer parceria com a tribo indígena Poyanawa, de Mâncio Lima.

“Foi interessante que, em questão de seis meses, eles já estavam cantando músicas. Não necessariamente com divisão de vozes, que é mais complexo, mas já estavam cantando. Chegou ao ponto que começaram a executar óperas em latim. As crianças têm muita facilidade de decorar as letras, então, óbvio que uma ou outra palavra não sai perfeita, mas de tanto ouvir, elas conseguem cantar”.

promotor de Justiça Iverson Bueno/ FOTO- A GAZETA

 “Foi interessante que em questão de seis meses eles já estavam cantando músicas”

 

 Segunda casa

FOTO/ASCOM-MPAC

O conservatório é muito mais que uma escola de música. É como se fosse a segunda casa dos integrantes. É lá que o sonho de centenas de meninos e meninas se torna realidade.

A mudança na vida escolar, familiar e social das crianças e adolescentes, segundo o promotor, é notória ao ponto de os pais chegarem à escola para agradecerem o trabalho feito com seus filhos.

“O que a gente percebeu ao longo desse tempo é que as crianças criam uma identidade de pertencimento aquele local. Ali é a segunda casa deles, talvez a primeira. É tão bem cuidado que às vezes eles preferem ficar lá do que na sua própria casa. Elas se tornaram mais concentradas, mais educadas, porque nós adotamos os princípios da disciplina e da hierarquia de forma bem rígida. Então, ao mesmo tempo que esses jovens se tornaram mais adultos de certa forma, mais responsáveis, eles também, segundo os pais, melhoraram até como filhos”, conta Bueno.

O sentimento de família é unânime entre os funcionários, voluntários e integrantes do projeto.

“Nós que estamos à frente somos os maiores beneficiados de tudo isso. Eles [crianças e jovens do projeto] querem simplesmente uma chance para mudar suas vidas”.

Casos de problemas familiares, sociais, e até de violência doméstica chegam todos os dias ao conhecimento dos voluntários. Assim, o MP/AC, além de promover a iniciativa, também consegue fazer o acompanhamento desses casos com assistentes sociais e psicólogos do órgão.

Apoio e incentivo familiar

Pedro Leite, 12 anos, a dona de casa Marizete Leite

São inúmeras as famílias que acompanham de perto o desenvolvimento e o talento musical de seus filhos. Prova disso é a mãe de Pedro Leite, 12 anos, a dona de casa Marizete Leite. Ela conta que, no Bairro Formoso, o talento de seu filho é conhecido e o projeto, sem dúvida, mudou suas vidas.

“Ele está no projeto desde o início e lá ele canta e toca cajón. Eu nunca imaginei que o Pedro tinha o talento que tem para cantar. Uma das maiores surpresas que tive na vida. Aqui eu sou ‘pai e mãe’ dele, então, a felicidade vem duas vezes”, conta sorrindo a mãe.

Reconhecimento e incentivo

Apesar de ter dois anos de fundação, o projeto é pioneiro no Brasil. Os instrumentos foram adquiridos a partir de emenda parlamentar da deputada federal Jéssica Sales (MDB), além da verba no valor de R$ 40 mil do Banco do Brasil, que premia diversas iniciativas em todo o país.

Em 2018, o ‘Musicalizando Pessoas com Amor e Carinho’ também ficou entre os cinco melhores projetos do Ministério Público Federal. “É um projeto que revolucionou a forma de pensar a cultura”, disse Bueno, acrescentando que a iniciativa também está concorrendo ao prêmio Criança Esperança.

Mesmo com o apoio de políticos, instituições e órgãos, o conservatório vive de doações para a manutenção do local. Somente a conta de energia custa em média R$ 800,00.

“Não temos recursos próprios. O projeto sobrevive de doações. Essa é a nossa maior dificuldade de manter e se expandir”.

Garotos do Sótão

FOTO/ARQUIVO PESSOAL

Além de mudar vidas, o ‘Musicalizando Pessoas com Amor e Carinho’ vem dando bons frutos. É o caso da banda Garotos do Sótão, que nasceu após a reforma do sótão do conservatório.

Composta por músicos e parceiros do projeto social, a banda se apresenta em diversas festas privadas e é bastante conhecida no Juruá. Parte do cachê dos músicos é doada para o projeto.

As histórias de superação e crescimento estão por toda parte do projeto, inclusive, na Garotos do Sótão. Um dos integrantes da banda passou de ex-lavador de carros a servidor do MP/AC e músico. Seu nome é Rodrigo Paixão.

“A música é uma linguagem universal capaz de despertar emoções e sensações ímpares. Cada músico da banda tem uma história de vida muito legal e emocionante, como a minha”, disse.

Além de integrante da banda, Rodrigo Paixão é professor de violino no conservatório musical. “É a realização de um sonho. Aqui descobrimos muitos talentos que não tinham oportunidades. São crianças que realizaram o sonho de cantar em um coral ou tocar um violoncelo. Amo esse projeto com todo o meu coração e sou grato por tudo que fizeram por mim”.

 

“Amo esse projeto com todo o meu coração e sou grato por tudo que fizeram por mim”

 

 

Sair da versão mobile