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Secretário busca a revisão do Sistema de Segurança Pública do Acre

O Acre enfrenta tempos difíceis com o fortalecimento do crime organizado e do tráfico de drogas internacional. Mudar essa triste realidade não será tarefa fácil para Paulo Cézar Rocha dos Santos, novo gestor que está à frente da Secretaria de Estado de Segurança Pública.

Em entrevista ao Jornal A GAZETA, Paulo Cézar afirmou que sua equipe trabalha na elaboração de um planejamento que, ao ser colocado em prática, será sentido nos seis primeiros meses deste ano.

Mas, como nem só de planos vive o homem, ele também frisou as ações efetivas, adotadas desde o dia 3 de janeiro, que já garantiram redução do número de crimes contra a vida e o patrimônio.

O secretário revelou a situação crítica das unidades prisionais e socioeducativas e também fez duras críticas ao sistema de segurança nacional, que não favorece a proteção das fronteiras, por onde entra a droga que alimenta o crime organizado no país.

A GAZETA – Qual a avaliação desses primeiros dias diante da Secretaria de Segurança Pública do Acre?

Paulo Cézar – Existe uma equipe que está lidando com os problemas administrativos, que, no primeiro momento, poderia obstar algumas ações. Felizmente existe uma integração com os órgãos do Sistema de Segurança Pública, o que tornou possível desencadear aquilo que nós acreditávamos que, em um primeiro momento, ia surtir efeito favorável à opinião pública, principalmente à sociedade. Medidas essas que impactariam diretamente na redução dos indicadores de criminalidade. Isso foi feito por meio de um planejamento antecipado, já em dezembro, e desencadeado, pontualmente, a partir do dia 3 de janeiro deste ano. Isso culminou com a redução, em certo ponto significativa, dos indicadores de criminalidade, não só em relação aos homicídios, mas também nos crimes contra o patrimônio.

A GAZETA – O senhor deve isso às operações?

P. C. – Eu acredito que às operações e ao ambiente pretérito que havia sido implantado pela gestão anterior. As operações foram plus. Elas foram otimizadas. Houve aproximação de órgãos que não estavam participando efetivamente e foi dado ênfase diferente. Até então, tínhamos operações pontuais em algumas vias. Dessa vez, nós buscamos adentrar nas comunidades, de acordo com o que a análise criminal apontava, ou seja, naqueles locais onde havia maior incidência de crimes de toda natureza. Com a polícia presente em locais onde há crimes com maior incidência, naturalmente, haverá redução. Não é este o carro-chefe. Estamos no primeiro momento. O planejamento de segurança requer médio e longo prazo. Acredito que a sociedade vai perceber efetivamente, a partir de seis meses, uma mudança pontual no modelo de fazer policiamento. Estamos buscando uma revisão do sistema. Uma maior aproximação da comunidade, por meio da regionalização, da responsabilização territorial dos agentes públicos envoltos em segurança, o que possibilita a convivência dela com as forças policiais. Com essa aproximação, a polícia saberá quem ela deve assistir, quem ela deve auxiliar, quem ela tem que conduzir por outro caminho diferente ao namoro com o crime. Essa é a construção que vamos tentar realizar entre os órgãos que integram o Sistema de Segurança Pública.

A GAZETA – Nessa construção, haverá um combate intensificado às facções que dominam o mercado do tráfico de drogas?

P. C. – Os doutrinadores de segurança falam da prisão qualificada. Eu acredito que o combate ao crime organizado no país deve ser feito por meio da prisão qualificada. Não podemos estar simplesmente sobrecarregando o ambiente carcerário de presos de forma aleatória. Precisamos conduzir aquelas pessoas nocivas ao meio social. Temos que ter muita qualidade no inquérito, caso contrário, teremos um sério problema, se já não temos.

Houve uma política de encarceramento absurda no país nos últimos anos. Praticamente em todos os estados há superlotação no sistema carcerário. Aqui no Acre, a coisa é faraônica. Temos uma população carcerária que supera, e muito, a demanda de vagas. Isso torna o ambiente prisional menos humano, impossibilita um controle interno mais eficaz e possibilita a organização do crime. Não podemos tampar o sol com a peneira, até porque, doutrinariamente, o crime organizado surgiu nas cadeias do país, e é coordenado de lá. Com a prisão qualificada, a gente vai buscar ferir a logística do crime, o capital, a comunicação, a arma e a droga.

A GAZETA – Alguns analistas creditam às fronteiras desprotegidas o fortalecimento do crime organizado. Quais medidas serão adotadas para torná-la mais segura?

P. C. – Pretendemos estabelecer tratativas com estados nacionais que se aproximam do nosso país. Estivemos com o Exército na tarde de ontem (10 de janeiro) estabelecendo tratativa. Além disso, o Estado pretende, apesar de não ser competência deste, organizar suas forças no sentido de prover mais controle qualificado nos crimes de fronteira. É óbvio que a fragilidade das fronteiras potencializa os crimes nos centros urbanos. Nós temos, sim, desenhado estratégias no primeiro momento, que vão implicar numa logística diferenciada, em treinamento de pessoal, na agregação de tecnologias de observação. Humanamente, é impossível ocupar toda a fronteira, por isso, a tecnologia assume um papel fundamental.

O governo irá possibilitar um olhar diferenciado para a nossa fronteira. O Acre, apesar de ter uma extensão restrita se comparado a outros estados da região norte, tem uma fronteira diferenciada. No Juruá, a fronteira carece de fiscalização melhor no que tange às hidrovias, enquanto que o Alto Acre carece de policiamento qualificado nas rodovias. Esse olhar crítico nós já temos, bem como o diagnóstico. Agora vamos buscar recursos no sentido de otimizar a fiscalização com a criação de uma força específica para tal fim, aproveitando os policiais que aí estão, talvez os policiais da reserva remunerada, para garantir o controle dos produtos que, efetivamente, potencializam os efeitos da criminalidade em nosso Estado.

O Exército, há anos, vem realizando operações, algumas até a pedido do sistema de segurança. Ele será parceiro nesse novo modelo de fazer policiamento nas fronteiras.

“É uma questão crítica, cancerígena, doentia, que nós temos que tratar”, Secretário Paulo Cézar, sobre o envolvimento de adolescentes com facções

A GAZETA – Há uma ideia de, além das operações nas fronteiras, criar um policiamento contínuo com o auxílio do Governo Federal?

P. C. – Nossa ideia, a princípio, é criar um grupo específico para tal fim. O apoio federal nós teríamos das Forças Armadas, mais especificamente do Exército. Já temos tratativas nesse tipo. Não vejo, momentaneamente, a necessidade de ter um aporte diferenciado. Naturalmente o cenário que está sendo desenhado no país demonstra que o Governo Federal, possivelmente, irá adotar uma postura diferenciada, haja vista as recentes manifestações das Relações Exteriores sobre controle de fronteira, ao controle de imigração. A União deve adotar uma postura mais coercitiva.

Acredito que algum pacote será lançado nos próximos dias. Independente disso, nós já estamos acertando as medidas locais para controle de fronteira.

O país tem fronteiras abertas, irrestritas, e, com certeza, os indicadores de criminalidade do nosso país, que é o maior do mundo, são afetados diretamente por essa política inadequada de controle de fronteira. O Acre é afetado por isso. O crime no nosso Estado tem vínculo direto com a falta de controle nas fronteiras, assim como acontece no Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Há a necessidade de uma política nacional.

Estamos esperançosos que essa política seja adequada, mas, independentemente disso, faremos o dever de casa.

A GAZETA – Há alguns dias, a notícia de viaturas da polícia paradas por falta de combustível se espalhou pela cidade. O senhor acredita que a falta de recursos possa ser “o calcanhar de Aquiles” para a Segurança Pública do Acre nesse momento?

P. C. – Essa máxima da falta de recurso é um problema nacional. De forma diversa, a Segurança Pública não tem nenhum aporte pontual em relação ao custeio. Não estou falando nem em investimento, mas ao custeio da máquina. Manter o policiamento ostensivo, principalmente, tem um custo muito elevado. Não temos uma política nacional nesse sentido.

No dia 13 de dezembro, o presidente da República, à época, sancionou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que deve captar recurso para essa área. É promessa de campanha do nosso governador Gladson Cameli olhar de forma diferenciada para o Sistema de Segurança Pública. Nós temos essa esperança. A União também tem se manifestado nesse sentido. Então, a Segurança, que nem sempre teve um olhar pontual em relação à destinação de recursos, será portada por recursos e garanto um combate mais efetivo aos crimes de todas as ordens. A normatização que garante recursos já foi criada, falta só analisar. Essas primeiras operações que realizamos exigiram um esforço estratosférico.

Quanto à questão do combustível. É natural em uma ruptura de poder que os contratos vigentes sejam rompidos. Vivemos um momento de transição. Não é algo só da Segurança. Algumas secretarias também estão com problemas nos serviços contínuos que mantêm a máquina funcionando, os homens operando. Dentro das nossas condições, não há ainda nenhuma falta que impossibilite a resposta à prevenção, às ações de segurança como um todo. Estamos analisando um novo contrato para a prestação de serviço de abastecimento. Na verdade, são só questões operativas e administrativas, mas o abastecimento continua.

“Os indicadores de criminalidade do nosso país são afetados diretamente por essa política inadequada de controle de fronteira”

A GAZETA – Esses recursos estão a caminho?

P. C. – O governador afirmou taxativamente total apoio à Segurança Pública, que vai garantir os recursos necessários para que as operações sejam desencadeadas.

A segurança é um bem caro. Ter um homem na rua de forma diuturna em todos os municípios do Estado para se antecipar ao crime e reprimir o crime quando ocorrer, instaurar o inquérito policial, lavrar e promover todo o aparato técnico tem um custo muito elevado. O próprio ambiente carcerário é caro. Um preso tem custo periódico de R$ 2 mil. O Acre tem mais de 7 mil presos. Por isso, quando falo de prisão qualificada é no sentido de levar à prisão aquele indivíduo que realmente apresente risco à sociedade, porque o custo é alto. Por isso, a ideia de levar a polícia à comunidade para desviar essas pessoas que estão namorando com o crime do crime. Vão faltar serviços à sociedade se não cuidarmos da prevenção, porque os recursos destinados à Segurança estão na custódia. É por isso que falta, porque temos um ambiente carcerário lotado. E posso afirmar que a população carcerária do Acre é, proporcionalmente, a maior do país. Para rever isso, só com muita prevenção, humanização nos ambientes de custódia, para garantir as ferramentas mínimas para que as pessoas se ressocializem. As unidades socioeducativas também estão cheias e com jovens de 13, 14 anos que já se intitulam faccionários. É uma questão crítica, cancerígena, doentia, que temos que tratar. Esses jovens que estão iniciando no crime precisam ter uma escolha ao final da passagem desse ambiente. O Sistema de Segurança não pode ser apenas encarcerador, ele tem, também, que ser um porteiro para as pessoas que estão namorando com o crime.

A GAZETA – Diante da pasta da Segurança Pública, qual será o seu maior desafio como pessoa e gestor?

P. C. – Eu sou pai. Com um filho do primeiro casamento. Sou pai do atual casamento com dois filhos, um de cinco e outra de quatro anos. Meu maior desafio será, se eu tiver a oportunidade de estar aqui por quatro anos, empregar na sociedade acreana um ambiente em que eu possa me sentir seguro em criar meus filhos. Levar a polícia para as comunidades, atuar sobre a responsabilização do pátrio poder, que é o grande gargalo. Não falei antes, mas tenho dados aqui de diversos setores. E o que me chamou mais atenção foi do abandono escolar. Os jovens de 18 a 29 anos representam 79% da população carcerária do Acre. Esses são dados do sistema do Iapen. Mais de 80% desses 79% não concluíram o ensino fundamental. Quando houve o abandono escolar, eles deviam ser crianças, ou seja, alguém devia ter cuidado deles. Então temos aí caracterizado o abandono intelectual, material dessas crianças por seus possíveis responsáveis. O desafio é construir um ambiente que permita a polícia se aproximar da comunidade envolvendo a escola, a sociedade, o Estado, todos.

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Fabiano Azevedo: