Quando converso com pessoal no campo, seja produtor rural ou indígena, quase todos notam que o clima está mudando. Eles ficam preocupados porque o calor aumentou e não conseguem trabalhar o dia inteiro no sol ou porque os rios ficam secos mais cedo, dificultando transporte ou porque chuvas e ventos ocorrem com mais intensidade e, às vezes, fora da época. Normalmente, as conversas ocorrem no campo.
Quando converso com alguns acadêmicos ou profissionais céticos, normalmente em uma sala com ar-condicionado, eles expressam dúvidas sobre: a) se o clima realmente está mudando; b) assumindo que está mudando, se a influência humana é significativa; ou c) assumindo que está mudando e a atividade humana está contribuindo para as mudanças, se reverter a situação é possível. Em todos os três casos a conclusão seria não fazer nada e continuar a vida como está.
Para fornecer mais informações aos acadêmicos e profissionais céticos, procurei informações que poderiam ser mais convincentes. Recentemente, José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden, em São Paulo, e colegas publicaram uma revisão da literatura científica sobre clima na Amazônia. Seguem algumas das conclusões que chegaram numa análise de mais de 200 artigos.
Os moradores rurais têm razão, a Amazônia está esquentando. Segundo o artigo, a temperatura da Amazônia tem aumentado, especialmente nas últimas duas décadas. A subida, de cerca de 0,5 graus C na temperatura média, é menos do que em outras partes do planeta, mesmo assim, podemos sentir isto nesta parte da Amazônia. No gráfico deste artigo é possível ver os efeitos dos El Niños. A temperatura pula para cima e depois vai baixando nos anos seguintes. Por exemplo, este ano o calor tem sido mais ameno do que no ano 2016, dando a impressão de que a temperatura está baixando, o que é verdade quando se pensa nos últimos dois anos. Mas, quando olhamos de uma perspectiva de décadas, podemos observar como a temperatura está subindo.
Além da subida de temperatura, Marengo e colegas reportaram que vários estudos mostraram que a época seca está se prolongando no sul da Amazônia cerca de um mês desde a década de 70, mas a variação interanual pode mascarar esta mudança. Este prolongamento causa mais estresse na vegetação, propiciando incêndios florestais.
As secas severas de 2005, 2010 e 2015-2016, individualmente seriam consideradas com a chance de “uma vez por século”. Obviamente três destas secas em onze anos estão fora do padrão esperado.
A seca severa de 2005 teve o seu epicentro no Acre e afetou cerca de 8% da Amazônia. As secas severas de 2010 e 2015-16 afetaram 16% e 46%, respectivamente, da Amazônia. Um estudo indicou que a variabilidade natural não pode explicar o impacto da seca de 2015-16 e atribuiu sua extensão aos fatores humanos, ou seja, o aumento de gás carbônico na atmosfera já estaria afetando a severidade das secas.
Não são apenas as secas que estão aumentando em frequência e severidade. As chuvas também estão intensificando. Os anos de 2009, 2012 e 2014 foram considerados períodos de mega-inundações, com probabilidades pequenas de acontecer, mas aconteceram. No Acre podemos acrescentar os anos de 2012 e 2015 com inundações históricas.
Estamos num período de intensificação na frequência e intensidade de eventos extremos. Temos indicações de que a variabilidade natural não explica completamente o que tem acontecido no clima da Amazônia, ou seja, o impacto de atividades humanas é significativo e crescente. Isto significa que esperamos que a curva no gráfico de temperatura continue subindo com impactos maiores causados pelo estresse térmico. Uma continuação de prolongamento da época seca cria a possibilidade de as florestas não aguentarem a falta de água e teríamos cada vez mais árvores morrendo, alterando a estrutura da floresta.
Marengo e colegas alertam que devemos nos preparar para lidar com secas de múltiplos anos superpostas num clima cada vez mais quente. Se as centenas de cientistas citados na revisão do José Marengo têm razão, já é hora de mudar radicalmente nossa relação com a Amazônia. Talvez este deva ser o assunto a ser debatido com profissionais e acadêmicos céticos.
Afinal, estamos no caminho onde a mudança no clima deixa de ser um problema entre vários, para se tornar “o problema da civilização”.
Referência:
Marengo, Jose A., Carlos M. Souza, Kirsten Thonicke, Chantelle Burton, Kate Halladay, Richard A. Betts, Lincoln M. Alves, and Wagner R. Soares. 2018. “Changes in Climate and Land Use Over the Amazon Region: Current and Future Variability and Trends.” Frontiers in Earth Science 6: 228. https://doi.org/10.3389/feart.2018.00228.