Se quiseres compreender algo da alma humana, por um momento fecha os olhos. Assim perceberás melhor. Em silêncio à beira da estrada, ouve os passos de quantos puder. Escuta o que diz cada um.
Verificarás que apressado é o andar dos trabalhadores, homens e mulheres na suada busca do pão. Testemunha os seus pensamentos, tantas vezes aflitos e fatigados, ao defender a sobrevivência sua e dos seus.
E em se lembrando das famílias, não deixes de ouvir o passeio das crianças, que, tão leves, gostam mesmo é de ir aos pulos. Regozija-te com tanta vida, tanta alegria que permeia esse vívido trotar, pleno de fé, confiança e imaginação. Instrui-te com os pequenos mestres da liberdade.
Tarefa das mais desafiadoras, ouve também as passadas de quem caminha com dureza e de quem causa sofrimento aos demais. Pressente a dor surda de quem é prisioneiro do medo. E lembra-te de que secura emocional e autoritarismo não são sinais de força, mas de fragilidade.
É prudente, entretanto, não julgar os seus portadores, para que a vida não te coloque em embaraço equivalente e não te vejas obrigado a descobrir com esses um parentesco comportamental maior do que supões. Observa e confere, adiante, a sua colheita, apenas para constatar como é que não se faz.
Ah, reserva sempre um momento para ouvir os passos visionários dos artistas, dos poetas do cotidiano. E lhes sê grato, porque, rasgados pelos sofrimentos, eles romperam fronteiras e aprenderam a voar, capturando frequências que alimentam os sonhos de todos.
E não deixes de registrar o esforço da marcha vacilante dos anciãos, nem de respeitar a sua lentidão; reverencia a história que carregam, muitas vezes penosamente. Compadece-te pelo peso do corpo do qual a vitalidade se vai retirando, e também o desafio extremo da consciência que se aproxima da hora de despedir-se deste mundo.
Ao cultivar a escuta aos passantes, deixa germinar em ti a solidariedade também por aqueles que não podem andar. Que, ainda assim, possam cumprir a travessia que lhes cabe.
Finalmente, mas também por princípio, para gostar de viver e ser feliz, escuta os próprios passos. E cuida que esse caminhar acompanhe as batidas do teu coração, porque ele é o senhor de todo ritmo.
Onides Bonaccorsi Queiroz
“Ouve os passos de quantos puder. Escuta o que diz cada um”