Uma doença pouco conhecida das mulheres, silenciosa e ao mesmo tempo sofrível, assim é a endometriose. Ela é responsável por 50% dos casos de infertilidade no Brasil, de acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Conversamos com uma mulher, convenhamos chamá-la de “Clara”, que viveu o drama do diagnóstico tardio. Seu sofrimento foi constante com dores que a levava ao desmaio, e o pior: a notícia que não poderia ser mãe e ter que se submeter à retirada do útero por meio de uma histerectomia. A dificuldade do diagnóstico preciso atrapalhou, e muito, a vida de Clara. Ela conta passo a passo como foi sua rotina de sofrimento por vários anos.
“Sofri quase 16 anos (contando a partir das dores intensas pré-menstruais, antes do diagnóstico, até o dia da histerectomia) com essa doença. Só quem sofre com isso sabe o que é. Receber o diagnóstico não foi fácil, mas o mais difícil foi conseguir chegar até ele. Infelizmente, poucos médicos em Rio Branco sabem lidar com a endometriose. Quando tive os primeiros sintomas (as cólicas terríveis), a minha ginecologista dizia que a dor pré-menstrual era normal. Em outros momentos chegou a dizer que eu estava exagerando. Eu pensava: ‘Isso não pode ser normal. Dor não é normal. Essa dor não é normal’. Mas ela era a médica. O que eu podia fazer?”, explica.
Sem uma posição mais evidente da Medicina, Clara começou a ter dificuldades na vida profissional. As dores a impediam de desempenhar suas funções com precisão. A partir daí, começou outro drama em sua vida: ela passou a sofrer o preconceito dos colegas de trabalho e até de mulheres que não compreendiam a profundidade de sua dor.
“Chegou um momento em que as cólicas começaram a atrapalhar minha rotina. Me entupia de remédio pra dor e ia trabalhar. Meu chefe e alguns colegas de trabalho achavam que era frescura também, assim como a médica. Até que essas dores começaram a ficar mais resistentes, constantes e intensas. Em um dia de crise de cólica, a ponto de eu não conseguir usar nada que apertasse a pelve, fui a outra médica, pois a que eu sempre ia estava viajando. Na primeira consulta a ginecologista me ouviu, me examinou e disse que eu tinha todos os sintomas de endometriose. Foi a primeira vez que ouvi o nome dessa doença. Claro que ela passou todos os exames necessários para o diagnóstico, mas, por incrível que pareça, tudo deu negativo”.
Apesar do resultado negativo dos exames, a profissional levou em consideração o que se chama, na Medicina, de confrontar os sintomas físicos sentidos pelo paciente com os exames. Ela sugeriu que Clara fizesse uma videolaparoscopia, uma espécie de endoscopia, a técnica também serve para a retirada de matéria da cavidade abdominal.
“Ela foi um anjo na minha vida. Então, fui para a primeira videolaparoscopia. A cirurgia demorou quase três horas. O resultado da biópsia era realmente o que a médica imaginava. Estava com endossalpingiose, que é a endometriose nas trompas. Isso mesmo nas trompas, porque como o diagnóstico foi demorado, as minhas duas trompas já estavam obstruídas. Exatamente! A frescura, o exagero, toda a dor que eu sentia e que me fazia desmaiar me deixaram infértil. A minha primeira médica tardou o diagnóstico”, destaca Clara, trêmula, ao lembrar o sofrimento de antes.
Com o diagnóstico em mãos, os desafios na vida de Clara só aumentaram. Ela precisa estancar aquela dor. “A partir do momento em que recebi o diagnóstico, o passo seguinte foi começar o tratamento para não se alastrar ou tentar amenizar. Não foi fácil. Foi o pior período da minha vida. Atrapalhou no trabalho, nas amizades, no relacionamento. A dor passou a ser crônica. Dois anos depois que descobri a endometriose, e com o tratamento não dando certo, entrei em depressão. Caiu a ficha: pra ser mãe só se eu fizesse FIV (Fertilização in vitro). Depressão profunda, mesmo. Perdi muitos amigos porque me afastei completamente do mundo. Era casa-trabalho, trabalho-casa. Não conseguia fazer nada. Foi horrível!”, conta.
Hoje, levando uma vida normal, após o longo tratamento, Clara aconselha às mulheres a procurar o ginecologista regularmente. Ela acrescenta que a escolha do profissional correto faz a diferença na hora de diagnosticar a doença. “Não sou médica, mas aprendi muito com essa praga. O conselho que eu posso dar é que dor não é normal. Nenhuma dor é normal. Confie no que você sente. Procure um médico que confie em você e vice-versa. O apoio das pessoas que você ama é fundamental. Começou o ciclo menstrual? Já procure um ginecologista. Sentiu dor menstrual? Conte ao seu médico. Depois da endometriose nunca mais deixei de lado qualquer dor. Essa doença em vários países já é tratada como câncer, pois deixa a mulher incapacitada. Então, não se permita sentir dor. Procure um médico imediatamente”, alerta ela.
Quando a incompreensão superar a dor do outro
“As pessoas ficam olhando torto, ficam dizendo que é besteira, que não é assim… Por que não aconteceu comigo e com ela é assim…”. A frase é da psicóloga clínica Valciclene Cardozo, que atende mulheres com quadros de endometriose em seu consultório. Ela diz que as dores da incompreensão agravam ainda mais o sofrimento de quem tem a endometriose, levando a mulher a entrar em um quadro de depressão.
“Quando a mulher descobre a endometriose, ela descobre uma doença que causa dores e o tratamento é muito agressivo. O tratamento é muito pesado e já sabendo que ela corre o risco de não engravidar. Grande parte dessas mulheres não tem filhos ainda porque a endometriose começa muito cedo, a deixa assexuada por causa das dores e, quando não está com dores, dependendo da medicação, é como se estivesse em processo de menopausa. Se não for casada, ela não consegue ter essa questão de namorar e, se for casada, piora um pouquinho ainda, porque ela se sente inferior, não tem tanto desejo assim, o sexo é mais difícil”, relata.
Cardozo explica que, ao receber essas mulheres em seu consultório, o primeiro passo é trabalhar a autoestima delas por meio do autoconhecimento, do empoderamento, além de tratar especificamente da ansiedade. “Levar ela a perceber outros pontos que a endometriose não deixou ela ver. A partir do momento que ela fica bem, vai ter a oportunidade de conhecer outras coisas que ela não conheceu”.
A endometriose do ponto de vista da Medicina
A médica ginecologista Grace Rocha explicou como a endometriose se forma dentro do organismo feminino. As causas para essa disfunção ainda são indefinidas, mas alguns estudos apontam para uma deficiência das células que fazem a limpeza do abdômen para a retirada desse material do organismo.
“É uma doença que ainda não tem um causa definida. Têm cientistas investigando no campo da genética, outros a questão imunológica, outros que já pensam ser um implante do tecido que menstrua que está dentro do útero, fora dele e que há uma deficiência nas células Killer que fazem a limpeza do abdômen. Então, células de dentro da cavidade uterina cairiam dentro da cavidade pélvica e não seriam eliminadas por essas células Killer e aí a pessoa poderia desenvolver a endometriose”, pontua.
Grace Rocha diz que a ida regular ao ginecologista é fundamental para a prevenção de doenças como a endometriose. Ela explica que a doença pode se manifestar nas meninas ainda na fase de puberdade. Nesse sentido, é preciso ficar atento aos sintomas, que são: dores e alterações menstruais.
“A dor, em geral, começa antes da menstruação e perdura algum tempo, durante a menstruação ou até após a menstruação, e ela pode iniciar muito cedo na vida, já a menina se formando na puberdade”, explica.
O tratamento, de acordo com a especialista, é à base de hormônios inibidores da menstruação, além do tratamento cirúrgico, este em último caso. “A cirurgia é feita em último caso, porque ela pode ser até uma somatória para as dores que a paciente está sentindo, uma vez que a endometriose é uma doença não localizada e ela pode estar espalhada pra dentro de toda a cavidade pélvica, abdominal. Você pode encontrar a endometriose na pele, no subcutâneo. Pode encontrar a doença até no cérebro. Então, muitas das vezes, você faz uma cirurgia achando que o paciente vai ficar sem sintomas, e não vai. Ela precisa continuar tomando remédio”, relata.
Os sintomas da endometriose perdem força quando a mulher entra no período da menopausa, ou seja, quando o ciclo menstrual para. “Os sintomas vão regredindo por conta, justamente, do ovário da paciente não estar mais fabricando o hormônio que estimula o endométrio a proliferar. Então, nessa época, as pacientes tendem a não ter quase nenhum sintoma”, explica.