Um total de 17 mortes violentas (homicídios) foi registrado somente nos primeiros 15 dias de fevereiro de 2019. Os números assustam. Apesar da leve redução dos homicídios em janeiro, 32 no total, o acreano ainda não sentiu a sensação de segurança pregada pela Segurança Pública do Acre.
O caso mais emblemático foi do cabeleireiro Tiago de Araújo Costa, de 21 anos. Segundo familiares, o corpo do jovem apresentava sinais de cortes em um dos braços, pescoço, além de seus algozes terem extraído dentes da vítima. O corpo de Tiago foi encontrado em uma região de mata no Polo Benfica, em Rio Branco.
O Acre viveu nos últimos quatro anos uma verdadeira escalada do crime. Os números de homicídios referentes a janeiro de 2016 foram de 18 mortes. Em 2017, esse quantitativo subiu para 43. Já em 2018, no ápice da guerra entre facções e a falta de investimentos em Segurança Pública levou o Acre a registrar 51 homicídios no primeiro mês do ano. Mais de 340 mortes violentas foram contabilizadas ao longo de 2018. Em 2019, o número caiu para 32 homicídios no mês de janeiro. Um número alto ainda, ou seja, praticamente uma morte por dia. Os dados são da própria Secretaria de Estado de Segurança Pública do Acre (Sejusp) e do Atlas da Violência 2018, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para o delegado aposentado da Polícia Civil do Acre, Walter Prado, que coordenou uma força-tarefa no governo de Jorge Viana e elevou o índice de elucidação de crimes para 94%, o que falta é “visão, elucidação dos casos e prevenção”. Segundo ele, crimes que não são elucidados geram impunidade.
“Eu acho que a visão está totalmente equivocada. Tem que trabalhar prevenção. Estão falando que está diminuindo e toda semana se contabiliza os mesmos números de assassinatos. Enquanto não centralizar a prevenção e a elucidação dos crimes… Tem 583 crimes sem autoria de homicídios. Quem não apura, quem não descobre, quem não investiga… não combate. Não estão combatendo nada. Vai ficar matando e contabilizando. Não é essa Segurança que a população precisa. Ela precisa de uma Segurança que faça um trabalho de prevenção, especialmente nos bairros pobres, que é onde está a verdadeira guerra”, diz Walter Prado, que já ocupou o cargo de diretor de Polícia Civil do Acre.
Facções
Com relação às facções, Walter Prado explicar que não há no Estado um grupo específico para acompanhar a movimentação desses grupos, bem como o fortalecimento do combate ao avanço dessas organizações criminosas. Ele defende a criação de uma força-tarefa permanente.
“Não há um combate específico. Precisa-se criar um grupo para trabalhar essa questão dos crimes hediondos, para fazer prevenção, tipo força-tarefa como era antigamente. Naquela época o índice de elucidação dos crimes hediondos no Acre chegou a 94%, o melhor do Brasil. Hoje fechamos o ano com 500 e poucos crimes sem autoria no período do Tião Viana”, pontua.
O “Xerife”, como também é conhecido acrescentou que o governo de Gladson Cameli (Progressistas) não promoveu mudanças no alto escalão da Segurança Pública, ao manter pessoas da antiga gestão em seu governo.
“Nós estamos na ressaca do que foi o sistema de segurança do governo Tião Viana. Ou seja, não apura nada. Pobre com pobre pode matar que é facção. E aí criaram essa figura ‘facção’ e sendo facção não precisa apurar. A tendência é se agravar, se continuar assim, porque ficou o mesmo pessoal. As pessoas que estavam dirigindo o sistema de segurança pública no governo passado são as mesmas que estão dirigindo no governo do Gladson Cameli”, ressalta Prado.
Ao comentar sobre o afastamento do secretário de Polícia Civil, Rêmullo Diniz, e a carta aberta do delegado Alcino Júnior, o delegado aposentado limitou-se a dizer apenas que não conhece o caso a fundo por isso seria temerário opinar sobre a questão. “Não seria ético entrar nesse mérito, porque eu não conheço o processo. Eu não faço juízo daquilo que eu não conheço, agora o que eu conheço é que é o mesmo pessoal indicado pelo Rocha é o mesmo pessoal que comandava a Segurança Pública no tempo do Tião, inclusive o secretário de Segurança é o mesmo agora do Gladson. Acrescido a isso, não houve nenhuma mudança de mentalidade, de visão”, finaliza.
Secretário de Segurança avalia primeiros 45 dias de ações contra o crime no Acre
A nova gestão da Secretaria de Segurança do Estado completou 45 dias de ações e operações contra a violência no Acre. Para o secretário da pasta, o coronel Paulo Cézar, o resultado vai além do esperado para o período.
Segundo o coronel, entre janeiro e os primeiros dias de fevereiro houve uma redução de 35% no número de homicídios com relação ao mesmo período de 2018. Já os crimes contra o patrimônio reduziram em torno de 40%.
Cézar destaca ainda o aumento de 60% nas apreensões de arma de fogo e a realização de flagrantes que até então, segundo o coronel, não eram frequentes.
“Enxergamos os primeiros 45 dias como um período de desafios e diagnóstico. Percebemos a necessidade de utilizarmos a rede de inteligência no sentido de antecipar algumas ações do crime organizado e, principalmente, envolver os recursos, materiais e humanos, de forma racionalizada”.
Para o coronel, os números estão além das expectativas da gestão neste período. “Não tivemos meios redobrados, nem tampouco recursos diferenciados. O que está ocorrendo é uma racionalização dos meios e a vinculação das ações, com as informações advindas do sistema de inteligência bem como da análise criminal”.
Acordo com outros Estados
Cézar destaca que estão sendo realizadas algumas conversas com os estados de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas, a fim de fazer acordos para realizar ações de combate à criminalidade.
“Estamos aproveitando a oportunidade para estabelecer algumas tratativas com estados próximos haja vista a necessidade de desencadearmos algumas ações operações concomitantes. Também estamos promovendo uma aproximação com os países fronteiriços, Bolívia e Peru, no sentido de estabelecer algumas tratativas destinadas a antecipar e reprimir alguns crimes de fronteira, principalmente ao furto e roubo de veículos”.
Convocação de aprovados em concursos
Outro assunto comentado pelo secretário foi a possível convocação dos aprovados no concurso da Polícia Militar e Polícia Civil a partir do segundo semestre deste ano. Cézar acredita que com o efetivo maior haverá tanto um fortalecimento das ações quanto melhor qualidade nas investigações criminais.
“Essa convocação tem uma série de viés. No primeiro momento passa pelo fortalecimento da polícia técnica, isso com certeza garantirá maior qualidade na investigação criminal. No segundo momento, a ampliação do policiamento ostensivo e das ações repressivas e preventivas destinadas às reduções de delitos. O fortalecimento da polícia judiciária, da Polícia Civil através de delegados, escrivães, agentes de polícia civil e concomitante de polícia técnica possibilitarão esse diferencial”.
Tráfico de drogas: promessa de vida fácil, mas quase sempre sem volta
Tráfico de drogas: promessa de vida fácil, mas quase sempre sem volta
Para a psicóloga clínica, Valciclene Cardozo, a entrada de adolescentes no mundo do crime tem diversos fatores. Mas, ela pontuou que o maior deles é condicionado à desigualdade social. Ela pontuou que o desejo de ‘ter’ é maior que ‘ser’ na atualidade. O retorno rápido e os ganhos estratosféricos para a realidade desses jovens os levam para o tráfico de drogas.
Aliado a isso, ela pontua que falta uma política pública voltada para inserir o adolescente no mercado de trabalho, seja como menor aprendiz, seja com oportunidades de cursos.
“Hoje, vivemos em um mundo de aparências, o acesso à internet é maravilhoso, porém, se nós paramos para pensar, o comércio muito grande, o capitalismo muito grande. Desde muito cedo as crianças têm acesso a muitas coisas, roupas de marcas. As pessoas vendem uma vida de materialismo. Hoje é mais importante ‘ter’ do que ‘ser’. Um dos fatores é a falta de programas de incentivo ao trabalho. Hoje os nossos adolescentes não podem trabalhar. Existem alguns programas, o Menor Aprendiz é um deles, mas são poucos que tem acesso. Não podem trabalhar, não podem fazer um curso porque não tem como pagar, tem alguns cursos na rede pública, mas são pouquíssimos. Então, eles ficam ociosos em casa”, completa a psicóloga.
Cardozo aponta que os adolescentes “entram no mundo das drogas e como consequência entram num problema emocional grave porque se sentem sozinhos, inferiores aos outros e vão atrás do que é fácil. O mundo do crime é “fácil”, traz as coisas muito rápidas”.
Para o professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre (Ufac) do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Enock Pessoa, a base familiar é o grande divisor de águas. Ele explica que fortalecer os laços familiares é fundamental para evitar com que esses adolescentes sejam “adotados” pelo crime.
“A resposta é complexa. Exige que se veja por vários pontos de vista. Eu começaria avaliando o ambiente físico e social em que a criança nasce, a falta do suprimento das necessidades básicas na vida é uma condição precipitadora da violência. Entendo essas necessidades como: alimentação, abrigo, cuidados e carinho de pai e mãe, orientação firme e amorosa para a vida por parte dos pais. Como dizem: cuide bem do seu filho antes que o traficante o adote. O apoio do Estado e da sociedade é o outro lado da questão”, diz o pesquisador que desenvolve estudos na área da Psicologia Social.