X

ARTIGO: Carnaval: “Parênteses” na ordem do tempo para o “recomeço” do tempo da ordem

O Carnaval se originou de uma festividade pagã européia. Esta festa ressaltava, de um lado, a ordem do “caos” (desordem) como princípio de um novo começo; por outro lado, estava ligada à proteção dos campos e dos rebanhos. A partir do século VII, o Carnaval passa a ter sentido religioso: um tempo festivo e de “abundância” de carne antecedendo o jejum quaresmal, tempo de recolhimento e abstinência de carnes e de grandes expressões festivas. Introduzida na América do Sul  pelos conquistadores espanhóis no século XVI, O carnaval é um período no qual a ordem social habitual é modificada por uma maior liberdade às normas morais e aos costumes. Esvaziado de aspecto religioso, o veio cultural e econômico acentuam mais “um mundo ao avesso”, durante 5 dias.

Festividade que alcança o País de um extremo ao outro, poderia o Carnaval contribuir para fortalecer os vínculos sociais e coletivos da comunidade humana e não ser reduzido a mero “parênteses” no tempo, onde a euforia e a “folia” maquiam e adornam os graves obstáculos à alegria e à realização do desejo de felicidade latente em cada pessoa humana?

Sobre a origem do carnaval existem duas estórias. A primeira estória faz referência à festa romana da deusa Isis: deusa do casamento e da família na mitologia egípcia, a divindade foi adotada por gregos e romanos. Esta “festa” estava relacionada ao inicio do ano. Segundo a crença, para  que uma “nova criação” surgisse, o mundo deveria retornar ao caos inicial para se fortalecer. Tal pensamento era expressado pela “folia” e pela ocultação da individualidade por meio de máscaras e maquiagem. A segunda estória está ligada à festa celebrada em Roma durante a última quinzena de fevereiro, em honra ao Deus Lupercus, protetor dos campos e do rebanho: um rito consagrado à purificação, à fecundidade e à produção.

Com a cristianização da Europa, o carnaval adquire novo significado ligado à vida nova em Cristo Jesus, a Páscoa. Pela sua importância, a Páscoa exige um tempo de preparação que é a Quaresma.

Para os cristãos, o tempo da Quaresma – quarenta dias sem contar os domingos – faz referência particular aos quarenta anos que o Povo de Deus passou no deserto, entre a saída do Egito e a entrada na terra prometida. Ele remete também aos quarentas dias que Cristo passou no deserto entre o batismo e o início de sua vida pública. O numero quarenta representa um tempo de preparação ao recomeço, ao renascimento.

A quaresma está relacionada também ao combate espiritual que Cristo viveu no deserto e saiu vitorioso! Assim, para o cristianismo, não é somente um tempo para sublinhar os esforços da condição humana. É tempo de se deixar habitar pela vontade de Cristo e se deixar guiar pelo Espírito Santo.

Durante o tempo da quaresma os cristãos vivem meios concretos que os ajudem a discernir as prioridades da vida: oração, penitência (jejum) e a esmola (caridade). O carnaval foi inserido dentro desta “visão” de preparação para a Páscoa, que é a Quaresma.

O jejum quaresmal surgiu na Europa no século VII. Durante a Quaresma, a carne e os alimentos com gorduras não eram consumidos ; as pessoas deveriam os consumir antes desse período. O Papa Gregório, o Grande, chamou o domingo que antecedia a Quaresma, “domingo da carne”. A palavra latina carnavale deriva deste costume.

Em nossos dias, o carnaval acentua o aspecto de ‘um mundo ao avesso’: a sobriedade cede espaço à embriagues de toda forma ; a abstinência dá lugar à todas as permissões; e as identidades reais são abafadas pelas máscaras  e maquiagem .

Como tentamos apresentar, entretanto, desde a idade média, o carnaval, está relacionado à um tempo de preparação a coisas novas. Carnaval desde sua primitiva origem é tempo de preparação aos dons da natureza e ao recomeço em termos sociais e humanos.

A fé cristã não se opõe ao carnaval : seu significado liga-se ao que a Sagrada Escritura define como ‘Nova Criação’ : « Essa nova criação chama os cristãos a encarnar de forma mais intensa e concreta o mistério da Páscoa de Cristo em suas vidas pessoal e familiar particularmente pela prática do jejum, da oração e da caridade » (Papa Francisco). O cristianismo busca ajudar que o carnaval não seja reduzido a uma finalidade em si mesmo: dias de euforia e festa infecundos para a vida da comunidade e o ‘crescimento’ da pessoa humana.

As comunidades cristãs propõem durante o carnaval tempos de retiros visando ajudar as pessoas a refletirem sobre si mesmas e sobre seu papel na comunidade humana.

O Carnaval ‘primitivo’ também tinha uma dimensão de coesão  e homogeneidade da sociedade : ricos, pobres, velhos e novos uniam-se pelo mesmo sentimento de serem filhos de Deus em Cristo. Significado que valeria a pena resgatá-lo.

O espírito do carnaval, no cristianismo, está ligado tanto ao aspecto de recomeço, de fecudidade da vida em Cristo como à minimização da condição de raça e situação social como fator de distinção das pessoas.

Bom carnaval à todos !

 

*Padre Manoel J. M. Costa é Reitor da Catedral Nossa Senhora de Nazaré

 

 

A Gazeta do Acre: