Algumas pessoas na mídia social consideram que o ciclo de água ou ciclo hidrológico é simplesmente a evaporação, condensação e precipitação de água, demonstrando aparentemente não conhecer o processo de transpiração, ou seja, que plantas, especialmente árvores, absorvem água líquida via raízes e liberam água como vapor pelas folhas. Este artigo pretende explicar a ligação entre transpiração, chuvas e florestas e suas implicações na Amazônia.
A ciência avança, às vezes devagar, às vezes depressa. Como atividade humana, ela pode errar, mas os erros servem como ponto de partida para debates e avançar em novas pesquisas. Cientistas ganham a vida, avançando no conhecimento da natureza e, frequentemente, corrigindo os erros de colegas ou confirmando suas previsões. Debates na literatura científica fazem parte do processo. Um exemplo pode ser visto no papel da floresta amazônica para as chuvas.
Nos últimos anos a comunidade científica discutiu muito o papel da floresta amazônica para a geração de chuvas. Afinal, a diferença entre o deserto do Saara e a floresta amazônica é que o primeiro recebe pouca chuva e a segunda recebe muita chuva. Para simplificar, os ventos alísios vindos do Leste e a presença do Oceano Atlântico fazem com que o vapor de água e as nuvens venham do oceano e entrem acima do continente sul-americano, aguando o chão e permitindo o desenvolvimento da floresta amazônica.
Mas, não basta ter muito chuva num ano, ela precisa ser bem distribuída durante o ano. Brasília, no Distrito Federal, recebe quase a mesma quantidade de chuva que Brasileia, no sul do Acre, recebe por ano. A diferença é que em Brasília a chuva é concentrada num período menor e o período seco se estende mais do que em Brasileia. As florestas com copas fechadas não aguentam um período seco prolongado e a vegetação natural de Brasília é cerrado, ou seja, um campo com árvores isoladas, enquanto a de Brasileia é a floresta amazônica.
Desde a década de 70, Eneas Salati e outros pesquisadores mostraram que muito da chuva que cai na Amazônia vem da transpiração das próprias florestas, ou seja, as chuvas que chegam à Amazônia Ocidental vêm recicladas, passando via chuvas pelas florestas do Pará e Mato Grosso. A chuva cai e penetra no solo, as árvores absorvem a água e transpiram via folhas, o invisível vapor de água sobe na atmosfera e é transportado para Oeste.
Um grupo de russos, americanos e um brasileiro, liderado por Anastassia Makarieva, fez a proposta de que a floresta amazônica inicia este processo, ou seja, a floresta é um agente ativo que puxa o vento e a umidade do oceano. O artigo foi muito debatido e levoutrês anos para ser publicado em 2013 com ressalvas dos editores.
Dois anos atrás, um grupo de cientistas da China e dos EUA analisou dados de vários satélites e concluiu que as florestas no sul da Amazônia, incluindo parte do Acre, têm um papel fundamental em iniciar a época chuvosa. A transpiração das árvores propicia as chuvas antes da chegada da Zona de Convergência Intertropical que normalmente é ligada à época chuvosa, ou seja, eles confirmam que a floresta é fundamental em iniciar as chuvas. De uma certa maneira, Anastassia Makarieva e colaboradores tiveram razão.
Esta informação poderia ser interessante para especialistas, mas suas implicações para quem vive na Amazôniaficam evidentes quando combinadas com dados recentes. Outros cientistas têm notado que o período de seca no sul da Amazônia tem crescido nas últimas décadas. Acoplado ao alongamento do período seco nas últimas décadas secas severas afetaram a Amazônia em 2005, 2010 e 2015-16.
A seca de 2015-16 afetou uma área da América do Sul maior do que as outras. Diferentemente das outras secas, a de 2015-16 não pode ser explicada somente via aquecimento das águas nos oceanos Pacífico e/ou Atlântico. Os pesquisadores propõem que mudanças do uso da terra, ou seja, desmatamento, e o aumento do gás carbônico -CO2, como as prováveis causas da severidade da seca.
Os resultados de tudo isto são muito preocupantes para nós que vivemos nesta parte da Amazônia. Recapitulando: 1) florestas em nossa região aceleram a chegada de chuvas, ou seja, servem como bombas de umidade; 2) o período seco está prolongando-se, criando mais estresse hídrico para as florestas; 3) as secas severas estão chegando em intervalos de 5-6 anos e as áreas afetadas estão aumentando.
Se o efeito do aumento de gás carbônico já está afetando a severidade das secas, o futuro vai ser muito mais problemático, dado que desde 2011, a concentração de gás carbônico está aumentando cerca de 2,4ppm por ano, 20% mais alto que a taxa da década anterior. Em outras palavras, a atmosfera está ficando mais energética, ampliando secas e chuvas.
Se quisermos manter as chuvas em nossa região, precisamos manter florestas naturais, parar desmatamento e incêndios florestais e replantar florestas. Elas são as bombas de umidade que mantêm as chuvas. Ao mesmo tempo, temos que reduzir o acúmulo de gás carbônico na atmosfera, uma tarefa que envolve colaboração global.
A ciência continua avançando, mas já temos informações suficientes para agir, seja no nível local para conter desmatamento e incêndios florestais, seja no nível global via a busca de novas tecnologias para descarbonizar as nossas economias e desenvolver meios da vida que permitam que vivamos bem nesse planeta finito.
Vamos manter as florestas e as águas nesta parte da Amazônia para as gerações que virão.
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Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente da Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre. Coordenador do Projeto MAP-Resiliência.