Há meses, não fazia contato com a minha alma penada favorita. Parece-me que foi em julho passado a última vez em que a havia encontrado. Agora, ele está voltando de um périplo intergaláctico, cumprindo tarefas ordenadas não se sabe por quem. Importa, verdadeiramente, que a alma e as suas análises atrozes, uma vez mais, deixam-me estarrecido ante tanta crueza de raciocínio sem meias palavras.
É claro que, nos dias correntes, tudo está para muito além do convencional, até porque ninguém é dono de ninguém e também porque as ideias aqui apostas foram por mim anotadas enquanto resultado do nosso último diálogo, antes das minhas férias folgazãs em terras dos curibocas.
Discordei totalmente dos pontos de vista tresloucados do meu interlocutor do outro mundo. Todavia, dado vivermos nós todos um tempo de grande conturbação e loucura geral, os devaneios couberam muito bem neste espaço e neste instante em que tudo vai para muito além do meramente banal.
Sayulita, uma sobrinha distante do espírito tosco, reside desde sempre em Málaga, Espanha. Meio romântica, meio realista, um pouco saltitante e muito mais dada à prostituição de alto nível, ela, apesar da vida desvairada, como a superior maioria das fêmeas desta época maluca sob a égide da civilização judaico cristã, também ainda espera enganar alguém que se candidate a marido, depois da última apelidada aventura matrimonial sem pejo e sem vergonha nenhuma mesmo.
Ficara encantada com a possibilidade de enganar um macho do Brasil. Por mais incrível que pareça, ela houve por bem dar de cara com um futebolista brasileiro em uma estada sexual de dois meses em Bilbao. Este, depois de muitas idas e vindas, sobes e desces, ao sabor da libido, apresentou-a a um outro que a fez conhecer um outro da mesma nacionalidade. Os três mulatos musculosos se foram e ela veio a contentar-se com um português branquelo do Alentejo, bem inocentezinho e quase pueril, em quem jogara laço frouxo e conseguira sucesso.
Também, pudera!
Papel passado e tudo, foi-se para Portugal, de onde voltou e ainda não haviam se passado seis meses. Em poucos dias, o agora marido Joaquim já estava de orelha em pé. Era besta só na aparência, mas apaixonara-se pelo par de rabo da espanhola. Na butuca, através de detetive particular, o gajo a flagrara em delito carnal na própria alcova – imagine! – com mais um brasileiro, político, capoeirista profissional e carreirista não por acaso.
Agora, já na casa dos trinta e tantos, ela estava a jogar a rede de malhas finas por cima de um cardume de moços na casa dos vinte e poucos, alunos da Universidade de Málaga. O mais besta, um sobrinho do meu despudorado amigo de além galáxia, era a bola da vez. Coitado.
Estes fatos e as suas ilações foram a mim transmitidos em madrugada de insônia, na vivenda acreana do Petrópolis. Parecia que eu era o interlocutor do espírito de porco. Vociferante feito um leão de chácara, ele chegava a apontar o dedo na minha cara e eu a sentir o seu bafo de onça, como se o idiota em tratamento fosse eu. Caramba!
As palavras, segundo ele, foram ditas ao parente distante, em sonho, há poucos dias. A revolta era grande. Quase um monte de doidices, não fossem as obviedades deste tempo cansado de tantas guerras e de tanta porralouquice.
Ele esturrava.0
– Não case nunca, seu basbaque. Você não é doido. Se você casar, essa zinha quererá ter um filho, para te prender, ô Alfonsino! Se ela tiver um filho, findo o parto, logo ficará feia, escorrida, pálida nos seus olhos de quenga de fim de feira, e precisará de cirurgias plásticas que poderão chegar à cifra das cinquenta mil pesetas, o que não é viável para quem vive quebrado, como é o seu caso. Com certeza, ela ficará mal enjambrada, torta e sem o pino de centro. Você, então, irá atrás das outras, as mais bonitas, mais inteiras ou menos estragadas. Daí, se você fizer uma merda dessas e arranjar outra pirua, ela correrá para pedir o divórcio e tomará tudinho o que você ainda nem tem, ou nunca teve, nem em sonho, em termos materiais. Com isso, toda a tesão anterior irá parar nas barras dos tribunais.
E o nosso analista de além galáxia continuou, agora se dirigindo diretamente a mim.
– Ora, meu caro escriba do norte! Coitados dos juízes e promotores públicos, sempre aptos a resolver pendengas de gente imbecil que não sabe lidar com as mulheres e os homens nascidos e criados sob a égide da civilização capitalista e profana. Acasalem mais e casem-se menos, por favor!
Há incentivos para que tal ocorra e o número de casamentos cresce, é verdade, mas o de divórcios aumenta bem mais. Não vale ganhar a merreca do tal programa do governo. É uma porcaria e você há de se arrepender porque o dinheiro sequer conseguirá pagar a farra tão mal planejada. Bom seria aprender a lidar com esses trastes no Brasil. Lá não há ninguém bobo. Sai dessa, infeliz da costa oca!
É oportuno lembrar a reflexão do Lupicínio Rodrigues, referindo-se aos dois gêneros, quando aconselha: esses moços, pobres mocos, ah se soubessem o que eu sei, não amavam, não passavam aquilo que já passei…
Pensando bem, não entendo porque todas elas, de marias a clarices e berenices, indiscriminada, eufórica e efusivamente, querem ter um homem para chamar de seu, mesmo na quase certeza de que cometerão mil desatinos. As estatísticas são mordazes, contundentes, realíssimas, mas ninguém percebe que o amor já não existe na cabeça do homem pós-moderno, do tal macho alfa, mas há tão somente o transcendente carnal, ou trepada, ou coito, segundo os sexólogos. Como dizem os analistas meio ranzinzas, sexo, para ambos os gêneros, hoje, é igual cuia de tacacá: usou, lavou e emborcou, já está mais uma vez novinho em folha. Nem é preciso sabonetes íntimos. Basta um cuidadinho, e pronto: novamente uma verdadeira beleza. Isto posto que, se há algo melhor que isso, Deus deixou só para o seu usufruto exclusivo, guardado a sete chaves de prata, e jamais será revelada a sua existência a nós reles humanoides e imbecis.
Não sei de onde as mulheres tiraram essa ânsia maluca por casar-se. O casamento é uma infeliz invenção delas. Penso que os homens não merecem toda essa deferência e atenção desmesurada. As estatísticas desencantam. Seria melhor conseguir um bom emprego, ou uma lavagem de roupa. Daí, arranjariam maridos e fariam com eles o que bem entendessem. (Machinho malandro e ruim de cama tornar-se-ia marido bom de peia em um piscar de olhos.)
Deixando de lado as idiossincrasias do louco acima descrito, o manobrista de palavras – que vos escreve estas tão amarfanhadas linhas – levando em conta a aspereza do tempo, já não é contra e nem a favor a ninguém ou a qualquer coisa, mas muito pelo contrário.
Ele já não dorme direito com tamanho barulho vindo dos tambores de crioulas do seu terreiro de macumba às quatro da manhã. Por Deus!
Então, sejamos felizes juntos ou separados, unidos ou misturados, não importando quem esteja por cima ou por baixo. Qualquer posição é válida, mas o que mais tem valor é o amor em todas as suas acepções, inclusive, as mais sacanas possíveis.
Alvíssaras!
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CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*
*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, à venda pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >