A estrutura que dá suporte ao divã de meu consultório é metálica. Um objeto sólido de linhas retas, sério em seu esqueleto escuro. O conjunto completo contém três peças soltas que, separadas, não teriam nenhuma utilidade. Mas juntas, confortam quem deita em uma curva que se ajusta à coluna de maneira que, para mim, supera tanto o deitar-se quanto o sentar-se, está perfeitamente colocada entre essas duas posições. Em um bom divã – bom no design – o corpo está. Leve, seguro, entregue. À peça inteiriça de metal que inicia este texto, junta-se a uma segunda que é curva e móvel, e carrega em cada uma de suas laterais, 34 furos. Esses, abrigam os ganchinhos encaixados a uma fita contínua de elástico que vai e vem, formando uma rede que ampara a terceira e última peça: um colchonete fino de couro que se dobra ao desejo da curva.
De tempos em tempos, os ganchinhos vão se desencaixando e o elástico reencontra equilíbrio compensando o colchonete. Eu finjo que não vejo, porque o reencaixe manual é um exercício que dá muito trabalho e me deixa mãos doídas. Puxar, contra a força da compensação, o elástico, tem um custo que raramente me anima. Quando há um, ou dois, furos a completar, tudo bem… Mas como eu disse, teimo em protelar o ajuste, e quando é chegada a hora inadiável de fazê-lo, sofro mais do que precisaria se tivesse dado crédito ao desconcerto que já tinha sido anunciado semanas antes.
Além da força do elástico, a natureza heterogênea das peças me atrapalha o restauro. O que representa harmonia no estado inicial, é pura discordância quando instável. Se preciso me firmar no elemento curvo, caio. Se preciso encostar no elemento imóvel, me machuco. Se preciso me apoiar no colchonete, solto mais um gancho.
É possível postergar a tarefa? Sem dúvida. É o que venho fazendo. É o que passamos uma vida fazendo, não é? A força desse elástico interno que serve tanto para organizar quanto para desestruturar é enorme. A semana que passou, li uma frase do Felipe Morozine, artista de quem observo a produção de perto e gosto muito, que dizia: “Você é forte. Só está cansado”. Esse elástico cansa mesmo. Mas somos forte, e só existe uma maneira de reequilibrar a estrutura, e claro que aqui não estamos falando sobre um divã, certo? Há de olhar para os furos e há trabalhar. Vamos?
ROBERTA D’ALBUQUERQUE