O Padre José de Anchieta (1534-1595), um poliglota nascido nas Ilhas Canárias, filho de pai basco, muito cedo aprendeu o castelhano e o complicado idioma paterno. Adolescente, mudou-se para Portugal, onde estudou o português, o latim e o grego. Por tudo isso, não é de espantar que Anchieta tenha aprendido, aqui no Brasil, o tupi tão. Muitos ulgavam que essa grande facilidade em aprender o tupi advinha do conhecimento que tinha do basco, língua então julgada parecida ao tupi. O que não é verdade.
Anchieta tão logo pôs os pés no Brasil, em 1553, aos 19 anos, começou a desenvolver a primeira gramática da língua da terra. Em 1560, sua Arte de Grammatica da Lingoa Mais Vsada na Costa do Brasil já era um best-seller entre os jesuítas. O livro, que só seria impresso em 1595, virou leitura de cabeceira dos jovens padres encarregados da catequese. Com ele, nascia o tupi escrito, que Anchieta usou para compor mais de oitenta poemas sacros e peças de teatro, inaugurando a literatura brasileira.
Há 400 anos, morar na vila de São Paulo de Piratininga (peixe seco, em tupi) era quase sinônimo de falar língua de índio. Em cada cinco habitantes da cidade, somente dois conheciam o português. Por isso, em 1698, o governador da província, Artur de Sá e Meneses, implorou a Portugal que só mandasse padres que soubessem “a língua geral dos índios”, pois “aquela gente não se explica em outro idioma”.
Derivado do dialeto de São Vicente, o tupi de São Paulo se desenvolveu e se espalhou no século XVII, graças ao isolamento geográfico da cidade e à atividade pouco cristã dos mamelucos paulistas: as bandeiras, expedições ao sertão em busca de escravos índios. Muitos bandeirantes nem sequer falavam o português ou nele se expressavam muito mal. Domingos Jorge Velho, o paulista que destruiu o Quilombo de Palmares em 1694, foi descrito pelo bispo de Pernambuco como “um bárbaro que nem falar sabe”. Em suas andanças, essa gente batizou lugares como Avanhandava (lugar onde o índio corre), Pindamonhangaba (lugar de fazer anzol) e Itu (cachoeira). E acabou inventando uma nova língua.
“Os escravos dos bandeirantes vinham de mais de 100 tribos diferentes”, conta o historiador e antropólogo John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. “Isso mudou o tupi paulista, que, além da influência do português, ainda recebia palavras de outros idiomas.” O resultado da mistura ficou conhecido como língua geral do sul, uma espécie de tupi facilitado.
No Maranhão e no Pará também surgiu uma língua geral, o nheengatu, cruzamento do dialeto tupinambá com idiomas indígenas da Amazônia. O nheengatu imperou em Belém e São Luís do Maranhão até os idos de 1750 e chegou a ser ensinado pelos jesuítas, junto com o português. Foi adotado até por índios de línguas dos troncos jê, aruak e karib, que acabaram esquecendo seu modo de expressão original.
Foi assim que, irritado com o uso generalizado das línguas nativas, o Marquês de Pombal (1699-1782), que então governava Portugal e suas colônias, resolveu impor o português na marra, por decreto, em 1758. Num documento maluco, o Alvará do Diretório dos Índios, proibiu o uso de todas as línguas indígenas e o ensino do nheengatu, “invenção diabólica” dos jesuítas. No ano seguinte, vilas de toda a Amazônia foram rebatizadas com topônimos portugueses. Surgiram, assim, Santarém e Óbidos no Pará, Barcelos e Moura no Amazonas.
Essa batalha linguística culminou com a expulsão dos jesuítas, em 1759. Mas a língua geral não sumiu de imediato, por força desse decreto do marquês. Continuou a ser falado pelo Brasil afora. Na Amazônia, por exemplo, só veio se firmar no final do século XIX, quando os nordestinos migraram em massa para a região, atrás da borracha.Hoje, o uso do tupi persiste à região do alto Rio Negro e a um pedaço da Venezuela.
Fato comprovado é o grande legado tupi ao português brasileiro. O Brasil deve muito aos tupis e dele assimilou milhares de palavras. A mais famosa delas é o nosso Oi, forma de audação em tupi.
O fato é que o tupi, além de influenciar o português brasileiro, também transbordou para outras línguas. Os índios bororos, do Mato Grosso, até hoje chamam anta de tapira e tesoura de piraia (piranha), palavras de origem tupi, introduzidas pelos bandeirantes. Mas a língua também chegou à Europa. Os franceses, que ocuparam o Rio de Janeiro por vinte anos (de 1555 a 1575), carregaram um monte de palavras nativas. Foram tantas que um padre francês, Constantin Tastevin, elaborou no século XVI um dicionário dos tupinismos franceses. Veja alguns dos que ainda sobrevivem: acajou (caju) – de acaîú; ananas (abacaxi) – de na’na; boucan (carne defumada) – de moka’em; jaguar (onça) – de Jaguará; manioc (mandioca) – de mandi’oka; petun (tabaco) – petyma; tapir (anta) – tapi’ira;
Século XVI, o tupi, principalmente o dialeto tupinambá, que ficou conhecido como tupi antigo, é falado da foz do Amazonas até Iguape, em São Paulo. Em vermelho, você vê os grupos tapuias, como os goitacás do Rio de Janeiro, os aimorés da Bahia e os tremembés do Ceará, que viviam em guerra com os tupis. De Cananéia à Lagoa dos Patos fala-se o guarani.
Nos Séculos XVII/XVIII, o extermínio dos tupinambás, a partir de 1550, a imigração portuguesa maciça e a introdução de escravos africanos praticamente varre o tupi da costa entre Pernambuco e Rio de Janeiro. Em São Paulo e no Pará, no entanto, ele permanece como língua geral e se espalha pelo interior, levado por bandeirantes e jesuítas.
No Século XX o português se consolida a partir da metade do século XVIII. O tupi antigo desaparece completamente, junto com outras línguas indígenas (das 340 faladas em 1500, sobrevivem, hoje, apenas 170). A língua geral da Amazônia, o nheengatu, continua sendo falada no alto Rio Negro e na Venezuela por cerca de 30 000 pessoas.
DICAS DE GRAMÁTICA
USO DE “DENTRE” ou “ENTRE”
– ENTRE é utilizado nos casos em que o verbo não exige a preposição de, como no exemplo: “Entre as pessoas desta sala, tenho mais chance.”
– DENTRE já tem o uso mais limitado. Significa “no meio de” e é fruto da união das preposições de + entre. Mas para que esta união ocorra, o verbo precisa exigir a preposição de. Vejamos os exemplos:
Ex 1 – “Ele ressurgiu dentre as pessoas” – quem ressurge, ressurge de algum lugar. Neste caso, de onde? De entre as pessoas, ou do meio das pessoas.
Ex 2 – “Os músicos saíram dentre as primeiras filas” – quem sai, sai de algum lugar. De onde? Do meio das primeiras filas
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Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Presidente da Academia Acreana de Letras; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro perene da IWA.