Acreanos e rondonienses se despendem do arcebispo emérito da Igreja Catedral Metropolitana Sagrado Coração de Jesus de Porto Velho/RO, Dom Moacyr Grechi. Ele faleceu na noite de segunda-feira, 17, após internação na UTI de um Hospital na capital de Rondônia. Às 9h da manhã de hoje, 19, será celebrada a missa de corpo presente e, logo em seguida, o sepultamento.
Durante todo o dia de ontem, 18, católicos, autoridades políticas e pessoas anônimas lamentaram a morte do santo bispo, como era considerado pelos acreanos. Com toda sua história dedicada ao homem da floresta, Dom Moacyr fez da Igreja Católica um refúgio para os mais pobres. Para aproximar ainda mais a Igreja dos movimentos sociais, o sacerdote fortaleceu as Comunidades Eclesiais de Base (ECBs).
Sempre firme em defesa do trabalhador rural. Ou seja, do típico colono e extrativista, Grechi foi além e ajudou a fundar a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Mas a luta de um catarinense de nascimento e acreano de coração não ficou somente nisso. Ele também colaborou para a criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), importante organismo de proteção aos direitos dos indígenas, principalmente os direitos de acesso à terra.
Membros da Igreja Católica no Acre descreveram Dom Moacyr como um ser iluminado, de sorriso fácil, sempre preservando o bom humor. Em trecho da nota divulgada pela Diocese de Rio Branco, o arcebispo emérito foi lembrado como “um incansável defensor dos povos da floresta”.
Desde que chegou ao Acre, Dom Moacyr Grechi não teve vida fácil. A voz mansa escondia um homem de coragem. Sem medo de falar o que sabia, Dom Moacyr não hesitou em falar dos crimes cometidos pelo Esquadrão da Morte, liderado pelo ex-deputado federal Hildebrando Pascoal. Depôs na CPI do Narcotráfico, instalada pela Câmara dos Deputados, em 2000. Aos membros da Comissão, disse tudo que chegou ao seu conhecimento, desde cartas indicando cemitérios clandestinos até local de desova de corpos.
Ao se tornar arcebispo de Porto Velho, Dom Moacyr dedicou parte da sua vida a contribuir com a criação da Faculdade Católica de Rondônia, da Comissão Justiça e Paz de Rondônia, além de fortalecer os Centros Sociais da Arquidiocese.
Ele foi membro delegado pela CNBB da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho (Conferência de Aparecida), que aconteceu em maio de 2007, onde teve contato com Mário Jorge Bergóglio, então arcebispo de Buenos Aires, que futuramente seria o Papa Francisco.
“Só ficar só e chorar. É assim quando alguém que você ama muito se vai”, diz ex-governador Binho Marques
O ex-governador Binho Marques (PT) disse que a notícia da morte de Dom Moacyr o deixou sem ânimo para continuar no encontro do qual participava que envolve educadores de todo o país. Ele disse que a tristeza é imensa. Binho Marques, assim como Jorge Viana (PT) e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede), sempre estiveram ligados à luta ambiental, que tinha na Igreja Católica um refúgio.
“Estava super feliz com a qualidade do encontro que estou participando. De repente, a Flávia me diz: o Dom Moacyr morreu. Pronto. Tudo mudou. Agora não quero voltar para o encontro. Só ficar só e chorar. É assim quando alguém que você ama muito se vai. Busquei essa foto para uma homenagem. Ele, que defendeu bravamente os seringueiros, que sempre esteve do lados dos fracos, aparece aqui frágil e feliz, sendo protegido pelo Raimundão, que ele o fez altivo e forte, como todos que aprenderam com ele a não temer a luta jamais! Adeus, amigo..”, diz o ex-governador acreano.
O ex-senador Jorge Viana (PT) foi um dos primeiros a se manifestar após a morte de Dom Moacyr. Disse que viveu bons momentos ao lado Dom Moacyr Grechi. Um deles foi visitar o Papa Francisco, no Vaticano, e a missa anual com os hanseníanos da Casa de Acolhida Souza Araújo.
“Vivi muitos momentos marcantes ao lado de Dom Moacyr. A missa com os hanseníanos, todos os anos. Sua luta em defesa dos mais necessitados e contra as injustiças. Seu apoio nas horas difíceis. Mas ter levado Dom Moacyr para visitar o Papa Francisco foi um presente de Deus para mim. Ficamos mais de uma hora na Casa Santa Marta conversando com o papa sobre os índios, sobre meio ambiente, desigualdades e sobre Direitos Humanos. No final, ele cobriu Dom Moacyr com seu casaco. Era o papa, um líder mundial, que estava agasalhando nosso querido bispo. Nunca vou esquecer desse dia. Nunca vou esquecer do Dom Moacyr”, disse Jorge Viana.
Marina Silva: salva da morte por Dom Moacyr
A ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, relatou o seu encontro com Dom Moacyr assim que chegou do seringal para vir estudar em Rio Branco. Marina contou que sofria de uma grave doença e, ao buscar ajuda na Catedral, foi informada pela secretária que para falar com Dom Moacyr precisava agendar. Ao ouvir o diálogo, Dom Moacyr repreendeu a secretária e ordenou que Marina fosse até ele.
Ela conta que Dom Moacyr providenciou o tratamento fora do Estado, tendo em vista que, naquela época, o Acre não contava com especialistas para o diagnóstico e tratamento da doença.
“Pessoalmente, tenho outra lembrança que me faz cultivar eterna gratidão: em 1979, depois de passar algum tempo sentada numa calçada no Centro da cidade, fui procurar ajuda na Diocese de Rio Branco. A secretária estava me explicando que eu teria que marcar horário para uma audiência, mas ele se aproximou e conversou comigo. Ouviu minha história e providenciou para que eu tivesse, em São Paulo, um tratamento no Hospital São Camilo que me livraria da morte. Voltei ao Acre para longos anos de lutas em que minha geração encontrou nele apoio constante. Num tempo de tantos conflitos, Dom Moacyr mostrou como se pode afirmar o amor e a solidariedade, conforme as bem-aventuranças de Jesus no Sermão do Monte, não apenas em palavras, mas na prática”, disse Marina.
A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora do Acre destacou a defesa de Dom Moacyr na defesa dos líderes sindicais, como Chico Mendes e tantos outros que defendiam a posse da terra diante da crescente chegada de povos de outras regiões do país em busca de terra.
“Fui testemunha de seu apoio aos seringueiros e povos indígenas, vítimas de injustiças na floresta e, depois, mais ainda, no período de grandes desmatamentos, em que eram expulsos para as periferias das cidades. Dom Moacyr era incansável na defesa daquela gente sofrida e de seus líderes ameaçados pela violência. Chico Mendes e todos os sindicalistas e ambientalistas encontraram nele um forte aliado”, destacou Mariana Silva.
O sonho de voltar a morar no Acre
O jornalista Antonio Alves lamentou a morte de Dom Moacyr Grechi. Saudoso, ele escreveu que os católicos do Acre poderiam pedir o translado do corpo do sacerdote para ser sepultado na Catedral Nossa Senhora de Nazaré, ao lado de Dom Giocondo Maria Grotti, Dom Próspero Gustavo M.Bernadi e Dom Júlio Mattioli. O jornalista diz que Dom Moacyr sonhava em regressar ao Acre. Ele, por mais de 30 anos, residiu em terras acreanas, sendo o bispo da Prelazia do Acre e Purus.
“Não sei se ainda mantinha o antigo sonho, mas sei que vinha ao Acre sempre que podia e mantinha firmes os muitos laços de amizade que tinha na terra de cuja história já faz parte – e com destaque. Os católicos acreanos bem que podiam pedir ao Vaticano para fazer-lhe uma homenagem definitiva”, pontua.