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ARTIGO: Às nossas leituras

Eu não conhecia a biblioteca do ‘meu’ bairro, acredita? E não era por falta de convite. O parque que a abriga é lindo e bem cuidado, ela está a ridículos quinze minutos – a pé – de casa, fica em frente a um café delicioso, ao lado de uma loja de plantas e eu já tinha passado ali algumas muitas vezes. Não me faltava convite, nem vontade.

Ocorre que tenho uma certa dificuldade de começar, de fazer o que quer que seja pela primeira vez. Para você entender o tamanho da dificuldade, te conto que trabalhei por anos em uma empresa que funcionava em um prédio com academia e restaurante. O restaurante estava dividido em 3 estações: o buffet por quilo, o prato do dia e os grelhados.  Passei seis meses nas duas primeiras opções, até ter a certeza absoluta de como o grelhado funcionava. Seis meses de “ Para quem se pede?”, “Onde se paga?”, “Será que demora?”, “Mas salmão e frango na mesma grelha?”, “E aquela porçãozinha de arroz?”, “Tem integral?”. Perguntas que nunca ganharam voz para além da minha própria cabecinha, entendeu?  Um cabo de guerra entre o desejo e o medo, a dúvida. E a academia? Nem queira saber…

Faz duas semanas que venci a resistência com a biblioteca. Fui no domingo cedinho, levei tudo que era preciso para me cadastrar, e não era preciso muito, rg e comprovante de residência. Foi rápido e indolor, exatamente como nos grelhados. Eles tinham o livro que eu procurava, eu mesma achei na estante, uma edição nova, que aparentemente nunca havia sido lida. Saí pelo solzinho de inverno do parque, sentindo o mesmo gosto que senti naquele primeiro almoço. Um misto de “Muito bem!” e “Por que demorou tanto?”.

No próximo sábado, livro lido, voltei para buscar mais um. Cumprimentei a moça do balcão como quem encontra um velho amigo, fui direto para a estante onde tinha visto meu próximo volume na semana anterior, absolutamente em casa, feliz com a maravilha do acesso coletivo, no conforto de dividir as minhas leituras com a cidade, até que…

Até que descobri que ele não estava lá. Voltei para o balcão e soube que tinha sido emprestado. Eu ignorei a presença de qualquer outro usuário do meu bairro, acredita? E não era por falta de demonstração. A biblioteca é ótima e bem cuidado, estava lotada no primeiro dia que a visitei, fica em frente a um café delicioso, ao lado de uma loja de plantas, algumas muitas pessoas passam por ali todos os dias. Voltei a pé, ridículos quinze minutos de ciúmes do ‘meu’ livro que tinha sido levado para outra  casa.

Faz uma semana que traí a biblioteca. Fui na sexta cedinho à livraria, levei o livro direto para o caixa. Foi rápido e indolor, exatamente como quando me dei conta de que odiava aquele restaurante. Eles tinham o que eu procurava, eu mesma achei na estante, uma edição nova, que nunca havia sido lida. Saí pelo ar-condicionado do shopping, sentindo o mesmo gosto que senti quando pedi demissão da empresa. Um misto de “Nem quero saber” com “Pra que esperar tanto?”.

 

ROBERTA D’ALBUQUERQUE

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