Temos discutido, desde algum tempo, que a língua, um organismo vivo, está sujeita a sofrer modificações, alterações, mudanças no curso do tempo. A língua portuguesa, a exemplo de outras línguas, recebe herança de outros povos e esse legado pode ser apreciado pelas palavras estrangeiras que são incorporadas ao vocabulário português. Falamos, em artigos anteriores, da influência indígena, africana, espanhola, alemã, italiana, árabe. Hoje falamos da herança francesa tão presente no português, por força das relações políticas, culturais e comerciais.
Houve uma época em que a França serviu, para nós, de modelo cultural. Assim, muitas palavras do idioma de Molière representavam o que de mais chique se podia usar no Brasil. Companhias de teatro francesas se apresentavam no Rio e em São Paulo, para uma aristocracia que importava governantas e contratava professoras particulares para ensinar a língua tão agradável aos seus filhos. Os galicismos – palavras importadas do francês – apareciam nos textos literários e nos jornais, mas naquela época os intelectuais eram mais críticos e escreviam repudiando o modismo. Hoje, tem-se a clara concepção de que esse legado não empobreceu o idioma camoniano, antes o enriqueceu com novas palavras, como <<restaurante>>, <<manchete>>, <<garçon>>, <<vernissage>>, <<écharpe>>, <<tricot>>, <<abajur>>, <<chofer >>, << butique>>,<<laquê>>, <<bisturi>>,<< bureau>>, << buquê>>,<<boné>>, <<toalete>>, << purê>>, <<cabaré>>, <<cabina>>, <<cachecol>>, <<camioneta>>, <<bufete>>, <<buquê>>, <<bulevar>>, <<bidê>>, <<bibelô>>, <<avalanche>>, <<paletó>>, <<pane>>, <<pasteurizar>>, <<pivô>>, <<placar>>, <<plaqueta>>, <<platô>>, <<plissado>>, <<pompom>>, <<pônei>>, <<popelina>>, <<raqueta>>, <<sabotagem>>, <<sabotar>>, <<vitrina>>, <<vagão>>, <<vitral>>, <<vermute>>, <<usina>>, <<usineiro>> etc, que refletem a raiz cultural francesa entre a gente do Brasil.
Depois, não se pode esquecer das quadrilhas, nas festas juninas, que não são manifestações nascidas na nossa cultura popular. A quadrilha é uma dança europeia que, no século XIX, passou para os salões da aristocracia e da classe média do Brasil. Daí compreende-se nela haver palavras francesas que comandam os passos da dança, em toda a movimentação nos salões e, depois, nos espaços campestres no interior do Brasil até se transformar na “dança caipira da roça” tão presente entre nós, nos meses de junho e julho.
Compreende-se, daquilo que aqui se falou que o vocabulário de uma língua tem o importante papel de revelar o perfil de um povo. Por isso, os vocábulos não são estáticos no seu emprego: transformam-se quanto à significação ou frequência de uso, quer no decorrer do tempo, quer no lugar em que são usados, quer nas diferentes situações sociais.
Conclui-se, ao final, que o conjunto de vocábulos de uma língua funciona como espelho da cultura dessa língua, tendo, portanto, o papel de revelar interesses, hábitos de alimentação, vestuário, crenças, cultura etc. Portadores desta função – de espelhar, de revelar o perfil do povo que as emprega – os vocábulos não poderiam ser estáticos no seu emprego. Assim, quer no tempo, quer no espaço (país, estado, cidade, bairro, rua, …), quer nas camadas sociais, quer na situação social em que são usados, os vocábulos se transformam, por exemplo, quanto à sua significação, sua forma, sua frequência de emprego. Cada língua tem sua individualidade, seu comportamento, sua lógica. Cada língua traduz a história de seus falantes.
DICAS DE GRAMÁTICA
BANCAS DE JORNAL / BANCAS DE JORNAIS
– As palavras compostas unidas pela preposição DE, pluralizam apenas o primeiro elemento:
Ex.: pés-de-moleque | testas-de-ferro | frutas-do-conde
O mesmo acontece com expressões como:
. bancas de jornal | casas de aluguel | camas de casal
. escovas de dente | casas de massagem | pilhas de rádio.
BASTANTE / BASTANTES
– Bastante pode ser um adjetivo ou um advérbio. Será um adjetivo quando se referir a um substantivo. Caso se refira a outra classe de palavra será advérbio. Quando é um adjetivo, varia, isto é, concorda com o substantivo; quando é advérbio, permanece invariável.
· Estudamos bastante. (advérbio, portanto: invariável, pois se refere ao verbo)
· Tenho bastantes razões para acreditar em ti. (adjetivo, portanto: varia, pois se refere ao substantivo razões).
Truque: Para sabermos usar, basta trocar o bastante por muito. Se o muito variar, o bastante também varia. Se o muito ficar invariável, o bastante também deve ficar.
· As crianças estão bastante alegres. (As crianças estão muito alegres).
· Havia bastantes pessoas no cinema. (Havia muitas pessoas no cinema).
BEM-VINDO / BENVINDO
– Bem- vindo é a forma correta. Bem pede sempre o hífen.
Ex.: Bem-aventurado, bem-querer, bem-amado, bem-te-vi
Benvindo é usado como nome próprio.
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Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.