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Câmeras de “segurança” nas salas de aula geram presunção de desconfiança e são antipedagógicas

No ambiente da sala de aula não existem estranhos. Os atores do processo de ensino e aprendizagem  são, ao menos em tese – se não, deveriam ser -, por demais conhecidos. Deste modo, instalar câmeras de vigilância nas salas de aula é o mesmo que dizer que não há confiança.

A adoção impensada de tal medida, bem como as suas consequências, são gravíssimas do ponto de vista pedagógico. E também do ponto de vista jurídico, diga-se de passagem.

Com efeito, a instalação de câmeras visando o patrulhamento do ambiente pedagógico, irremediavelmente, ao promover a quebra da relação de confiança e ofender a liberdade de cátedra, este último, princípio elementar  da relação entre ensinar e aprender, afronta gravemente a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Lei de Direitos Autorais.

As câmeras de vigilância nas salas de aula, com o devido respeito que devo a quem pensa diferente, sinaliza a incapa­cidade da própria escola de, por meio do seu projeto pedagógico, superar os eventuais conflitos que acontecem nesse espaço.

As escolas são – e deverão ser sempre – ambientes de superação de conflitos. E a via primeira de tal abordagem deve ser sempre a pedagógica.

A  Constituição Federal, em seu artigo  205, preceitua que “a educação deve  ter por finalidade o pleno desenvolvimento da pessoa, seu  preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

No  artigo seguinte, a mesma Constituição determina que o ensino  será ministrado com base em vários princípios, dentre os quais, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar  e divulgar o pensamento, a arte e o saber;  e a valorização  dos  profissionais da educação escolar.

A qualificação para o trabalho dos alunos passa pelo respeito ao trabalho  desenvolvido pelos professores. O monitoramento constante e ostensivo dentro da sala de aula inibe a liberdade  de aprender e ensinar, desvalorizando  o  profissional da educação e os próprios alunos.

Além disso, o direito à preservação da privacidade e da intimidade também tem previsão expressa na Constituição  (art. 5º,  inciso  X), que pode ser caracterizado como “o conjunto  de  informações acerca do indivíduo e que  só ele pode decidir manter sob controle  ou  comunicar, decidindo a quem, quando,  onde e em que condições”.

Fugindo um pouco do assunto, mas nem tanto, vejamos um sutil exemplo do que talvez não seja o errado, mas que também, nem de longe, é o certo como atitude primeira e única.

Imaginemos que numa determinada escola (o exemplo é hipotético), de uma hora para a outra, comecem a surgir reclamações de pequenos furtos praticados pelos alunos, tipo, sumiço de canetas, borrachas, apontadores e outros pequenos objetos.

Pois bem! A direção da escola, por sua vez, ao perceber o volume crescente de reclamações vindas dos alunos que figuraram como vítimas dos pequenos furtos, percebendo que algo precisa ser feito, resolve tomar uma atitude: manda fechar as salas durante o recreio, que é o momento em que os materiais escolares não encontram-se aos olhos dos proprietários.

Olhando de modo superficial, nota-se que a medida adotada pelo Diretor da escola do nosso exemplo hipotético parece ser a mais adequada. No entanto, do ponto de vista do que seria a principal responsabilidade da Direção diante de tal problema, a medida foi insuficiente.

E foi por motivos óbvios: não bastava à referida escola fazer cessar os furtos – que na verdade são muito mais brincadeiras sem graça do que furto propriamente -, deveria, por meio de uma abordagem pedagógica, tratar o problema de modo a educar os alunos no sentido de que subtrair objetos dos outros não é correto.

A opção pelo exemplo hipotético acima foi de propósito, eis que o argumento motivador da instalação de câmeras nas salas de aula encontra abrigo na incapacidade das escolas de conterem a indisciplina escolar, não raro, inclinando-se pelo mesmo viés, ou seja, a recusa de enfrentar o problema por meio da abordagem pedagógica.

O debate sobre a instalação ou não de câmeras de vigilância nas salas de aula, claro, claro, admite argumentos até razoáveis em sentido contrário. Não tenho dificuldade alguma em admiti-los, ainda mais diante do quadro crônico de violência galopante que vivemos.

No entanto – e aí é necessário que brote algum esforço de tolerância e bom senso por parte dos seus defensores -, o que não podemos é confundir democracia com ‘democratismo’ que, quase como regra, tem servido de  justificativas por aqueles que defendem a medida.

Data Vênia! Argumentar a validade jurídica da instalação dos equipamentos tendo como base eventuais deliberações da comunidade escolar em se tratando de direito à intimidade pessoal, profissional e à liberdade de cátedra, mais parece uma piada, por sinal, de um péssimo gosto cavalar. E até ingênuo, sendo mais contundente.

Façamos o dever de casa! O dever prioritário, conforme já frisado, é não distanciar o foco da manutenção dos objetivos pedagógicos.

Depois, sendo a medida de fato necessária, que seja ao menos regulamentada, como seria, inevitavelmente, o caminho mais lúcido para evitar eventuais violações ao aspecto individual (e coletivo) da intimidade de professores e alunos.

 

A Gazeta do Acre: