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As revelações de Dom Moacyr à CPI do Narcotráfico: um passado sombrio de um Acre não tão distante

A morte recente do arcebispo emérito de Porto Velho, Dom Moacyr Grechi, levou consigo memórias de um Acre sombrio que ele teve acesso enquanto foi bispo da Prelazia do Acre e Purus. Ele, que acompanhou a luta de Chico Mendes em defesa do meio ambiente e, mais que isso, a defesa de seringueiros pelo direito à terra, passa agora a conviver com um novo desafio: enfrentar o poder de um dos homens mais influentes e temidos do Acre, o então coronel Hildebrando Pascoal.

A GAZETA volta ao passado e conta, a partir de agora, as revelações de Dom Moacyr Grechi à Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a Investigar o Avanço e a Impunidade do Narcotráfico no País e tem o Acre como rota de parada principal.

Ao depor aos membros da CPI do Narcotráfico, como ficou conhecida a CPI da Câmara dos Deputados no ano de 2000, Dom Moacyr afirmou que com a morte do irmão de Hildebrando, Itamar Pascoal, uma série de crimes foi desencadeada no Acre. O santo padre, referência para muitos oprimidos e desvalidos do poder, contou aos investigadores que recebia, constantemente, pessoas em sua casa “apavoradas”.

“Que pessoas apavoradas, transtornadas vão à sua casa ou pedem que as procurem, num lugar não conhecido, porque têm medo de serem assassinadas e querem fugir não só do Acre, do Brasil. Criou-se um mito de que Hildebrando Pascoal consegue achar e matar em qualquer canto do Brasil. Que não existe estado de direito no Acre e que realmente são reféns dessas pessoas”, diz trecho do relatório elaborado pela Comissão.

Poço das Rosas, um vale de tristeza e dor

Talvez o ponto alto do depoimento de Dom Moacyr Grechi à CPI são as cartas que ele relata ter recebido de fontes confiáveis informando da existência de cemitérios clandestinos e locais de ‘desova’ de corpos. Sem medo de dizer o que sabia e sem a proteção devida, o então bispo da Diocese de Rio Branco confiava apenas no crucifixo que carregava sobre o peito e no senso de justiça, mesmo que isso lhe custasse a vida.

Por outro lado, Dom Moacyr teceu uma rede de contatos por todo o Brasil com a criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Matar uma liderança influente para além das fronteiras do Acre não seria tarefa fácil, mesmo se assim quisesse. Ao voltarmos às cartas, Grechi assinalou aos membros “que, passou a ler cartas recebidas por ele narrando a existência de um cemitério clandestino conhecido como “Poço das Rosas” em local que fica sob domínio da família Pascoal. Que uma das cartas fala também da prática de desova de corpos no Igarapé Iquiry, a 35 Km de Rio Branco”.

 Dom Moacyr, um homem de dores

Sem sombra de dúvidas, Dom Moacyr Grechi escondia, por trás do jeito alegre e brincalhão, aflições. Muitas delas de situações que ele não pode resolver ou, ao mesmo tempo, saber que era vulnerável. Ele revelou à Comissão que em conversa com o corregedor-geral de Justiça da época, desembargador Arquilau de Castro Melo, este lhe disse que: “a sociedade acreana é refém de Hildebrando Pascoal e de seus colaboradores”. Nota-se o sentimento vivido no Acre no final da década de 1990 e começo do ano 2000.

 O desfecho final

Após uma série de denúncias e apuração pela CPI, Hildebrando Pascoal teve o mandato de deputado federal cassado. Ele foi preso junto com outros 46 envolvidos nos mais diversos crimes, que vão de assassinatos com requinte de crueldade, como é o caso da morte do mecânico Agílson Firmino dos Santos, o Baiano, que teve as pernas cortadas e braços, os olhos perfurados, além de terem introduzido um prego em sua cabeça.

Baiano era motorista do traficante José Hugo Fonseca Júnior, também morto pelo grupo de Hildebrando. José Hugo matou o irmão de Hildebrando Pascoal, Itamar Pascoal, em junho de 1996, em uma discussão em um posto de combustível de Rio Branco. Pela morte de Baiano, Hildebrando foi condenado a 18 anos de prisão.

Desde 2016, o ex-coronel da Polícia Militar cumpre prisão no regime semiaberto. Recentemente, ele passou a cumprir prisão domiciliar, dado o estado de saúde do mesmo.

Hildebrando Pascoal, em entrevista ao jornalista Marcelo Rezende, em 2014, disse que foi vítima de “uma grande conspiração”.

“É dolorido, porque eu não devo um dia de cadeia sequer. Sou vítima de uma grande conspiração”, comentou ele ao falar da sua ida ao cárcere e sobre a cassação do seu mandato de deputado federal.

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