O assunto deste artigo tem uma história de milhares de anos, desde os tempos dos gregos e romanos e se refere a tendência de tentar negar a veracidade de uma mensagem via um ataque a quem trouxe a mensagem. É um sinal de que quem critica não consegue rebater o assunto e tenta colocar dúvidas via ataques pessoais ao mensageiro.
Não faltam exemplos na vida destas falácias em argumentos. A sequência típica é a seguinte: Pessoa A declara algo cujas implicações que não agrada a Grupo B. Grupo B rebate criticando características da Pessoa A no lugar de rebater a declaração. O foco muda da declaração em si para as características da pessoa. A abordagem é um tipo de ataque ad hominem, latim para um ataque pessoal, como chamar alguém de capitalista, comunista, mentiroso, etc., de uma maneira pejorativa.
Esta abordagem é comum na política, independente da ideologia quando o objetivo é convencer a plateia de que a declaração de alguém não presta. Esquerdistas e Direitistas usam esta técnica, que é uma falácia lógica porque a verdade não depende de quem fala. A verdade é a verdade. Porém a credibilidade, sim, depende da reputação de quem fala; se conseguir danificar a reputação de quem fala, reduziria a credibilidade da mensagem.
Esta técnica pode ser muito efetiva no curto prazo. Um mestre do uso de ataques ad hominem é Donald Trump, o presidente dos EUA. Existe um grupo de quatro deputadas federais – uma latina, uma negra e duas mulçumanas, que foram eleitas em 2018 e que criticam ferozmente a política do presidente.
No lugar de rebater as críticas, Trump as atacou, “Por que elas não voltam e ajudam a consertar os lugares totalmente falidos e infestados por crimes dos quais vieram?”.
Trump conseguiu mudar a discussão da proposta delas para a defesa delas usando uma mentira: afinal três das quatro nasceram nos EUA. E ele poderia estar falando da sua própria família; o próprio avô do Trump veio da Alemanha e era aparentemente dono de casas de prostituição em áreas ‘infestadas por crimes’, sem falar da esposa dele que nasceu na Eslovênia.
Se o mundo se resolve somente em lutas entre grupos políticos, existe uma lógica perversa de usar falácias lógicas para derrotar o opositor, mas estas técnicas normalmente dão prejuízos no longo prazo. No caso de Donald Trump e o partido Republicano, a demografia nos EUA está contra eles; as porcentagens de latinas, negras e muçulmanas na população estão aumentando e elas vão lembrar deste episódio.
Até a negação do Trump sobre a influência humana no clima está sendo revista porque jovens republicanos, essenciais para a reeleição do Trump e senadores republicanos em 2020, acreditam que a mudança climática é um dos problemas mais sérios que existe atualmente. Em outras palavras, a realidade segue uma lógica que não depende da ideologia.
A ciência, como atividade humana, tem como um dos objetivos principais entender a realidade que existe fora das ideologias políticas. Se um paciente tiver uma perna suspeita de estar quebrada, os médicos usariam uma máquina de raio-X para o diagnóstico, independente se a ideologia reinante for capitalista ou comunista numa ditadura ou numa democracia.
Aliás, a ciência é considerada tão poderosa que as ideologias procuram apropriar-se dela, como os exemplos da China, Rússia, os EUA, Japão, Corrêa e países europeias que promovem educação nas ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Eles têm programas para fortalecer a capacidade científica dos seus próprios países para poder competir em avanços tecnológicos que por sua vez, ajudam no desenvolvimento destes países.
Uma das joias da ciência brasileira é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe – que por décadas tem contribuído para o desenvolvimento do país em várias áreas, inclusive no monitoramento do desmatamento e queimadas na Amazônia, usando imagens de satélites e sensores Landsat, CBERS, MODIS, IRS, etc. Os satélites servem para alertar onde existem novos desmatamentos a cada mês, porém pode sofrer limitações por causa de cobertura de nuvens.
Para manter um registro mais detalhado ao longo dos anos, o Inpe tem usado principalmente imagens Landsat com resolução de 30 metros no programa Programa de Monitoramento de Floresta Amazônica por Satélite – Prodes. Este é a referência anual do Inpe e permite uma análise se o desmatamento está aumentando ou diminuindo de ano em ano.
O Inpe agora usa mais satélites de média e alta resolução que precisam ser incorporados com cuidado porque satélites com diferentes resoluções estimam as áreas desmatadas diferencialmente. Uma nova geração de satélites de Planet, por exemplo, tem uma resolução de 3 metros ou melhor. Estes satélites provavelmente vão detectar mais áreas desmatadas do que o Landsat e vai tornar mais complexa a interpretação das taxas anuais de desmatamento.
As taxas mensais que o Inpe publica como alerta serve exatamente como um alerta. A comparação de um mês entre um ano e outro serve como um indicador preliminar de como está progredindo o desmatamento e onde a fiscalização deve ser feita.
Quando jornalistas perguntaram o Presidente do Brasil no dia 19 de julho deste ano sobre a alta taxa mensal de desmatamento publicado periodicamente pelo Inpe, ele poderia ter respondido sobre os dados servindo como alerta, mas no lugar disto, decidiu tentar matar o mensageiro, implicando que o Inpe estava mentindo e “agindo a serviço de uma ONG”.
O Diretor do Inpe, Ricardo Magnus Osório Galvão, deu o troco e considerou que o presidente “… tem um comportamento como se estivesse em uma conversa de botequim.” O Diretor não se demitiu, mas será exonerado em agosto pelo Ministro de Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicação, Marcos Pontes.
Esta discussão sobre o mensageiro de dados de desmatamento só temporariamente distraiu o público sobre o assunto da questão: será que as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira estão aumentando? Não é só o Inpe que faz análises de desmatamento. Entre outros, o Global Forest Watch (GFW) também tem dados transparentes de desmatamento disponíveis para qualquer pessoa no mundo inteiro.
Dois orientandos meus no Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Áreas Protegidas (MPGAP) do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – Inpa (uma outra joia da comunidade científica brasileira) já compararam os dados de GFW e do Prodes do Inpe em duas regiões do Acre.
Nestas regiões nos últimos anos as taxas no Acre de desmatamento do GFW tem sido até maior do que as do Prodes. O mundo inteiro pode ver e comparar o que está acontecendo em termos de desmatamento na Amazônia, seja usando dados do GFW, seja do Prodes ou de outras fontes.
Se o Brasil vai superar os desafios de desenvolvimento sustentável, a sociedade e o governo precisam de uma comunidade científica brasileira forte, competente e atuante. Os próprios Inpe e Inpa fazem parte desta comunidade, como também a Universidade Federal do Acre.
Matando mensageiros não muda as mensagens e serve para enfraquecer a capacidade do Brasil de lidar com estes desafios. O Presidente do Brasil, no lugar de valorizar a ciência e cientistas brasileiros, está desprezando-os.
Nos próximos meses vamos saber via várias fontes dentro e fora do Brasil se a taxa de desmatamento na Amazônia brasileira está aumentando ou não. Não seria melhor se fossem cientistas e instituições brasileiros, como o Inpe, que fornecem estas informações?
Tomara que este exemplo de matar o mensageiro não vire política pública, mas parece que está acontecendo. As cortes drásticas nos orçamentos de instituições nacionais de pesquisa e universidades federais implicam que o Brasil vá ficar atrasado nas ciências e com menos cientistas competentes nas próximas décadas. Só precisa comparar o Brasil com a valoração de ciência na China para entender o futuro sombrio do país em termos da sua capacidade científica no que resta do século 21.
A tentativa de matar mensageiros, no lugar de enfraquecer as mensagens, fazem-nas mais acreditáveis, um efeito bumerangue. Seria melhor debater as declarações e não fazer ataques ad hominem, se não vamos cair na lama de calunias e difamações. O futuro da Amazônia é importante demais de deixar isso acontecer.
Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, docente da Pós-Graduação e pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac).