O ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, anunciou nesta quinta-feira, 15, a suspensão dos repasses de 300 milhões de coroas norueguesas, o equivalente a R$ 133 milhões, que seriam destinados ao Fundo Amazônia.
Segundo o jornal norueguês “Dagens Næringsliv” (DV), especializado em negócios, o governo local estaria insatisfeito com a nova configuração dos comitês do Fundo, que está sendo discutida em Brasília. A Noruega e a Alemanha já se declararam contrárias às mudanças.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebeu, até hoje, R$ 3,4 bilhões em doações, sendo que 94% da quantia (R$ 3,19 bilhões) veio da Noruega. O volume de repasses é condicionado ao índice de desmatamento – quanto maior for seu avanço, menores são as verbas obtidas.
“O Brasil rompeu o acordo com a Noruega e a Alemanha desde o fechamento da diretoria do Fundo Amazônia e do Comitê Técnico. Eles não podem fazer isso sem acordo com a Noruega e a Alemanha”, disse Elvestuen ao DV.
O ministro indicou que, nos últimos meses, os índices de devastação da Amazônia se multiplicaram em relação ao mesmo período do ano anterior. De acordo com ele, isso mostraria que o governo brasileiro “não quer mais parar” o desmatamento.
A comunidade científica, segundo Elvestuen, está preocupada que o desmatamento leve o bioma a um “ponto de inflexão” — a devastação seria tamanha que afetaria a formação de chuvas, provocando a destruição de toda a floresta.
“Isso é muito sério para toda a luta pelo clima. A Amazônia é o pulmão do mundo e todos nós dependemos inteiramente da proteção da floresta tropical. Não há cenários para atingir as metas climáticas sem a Amazônia”, alertou Elvestuen.
O Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), cuja atribuição era determinar diretrizes e acompanhar os resultados obtidos pelos projetos, foi extinto em junho. Nenhuma reunião foi realizada este ano — normalmente, há pelo menos duas.
Entre os programas afetados pela revogação do Cofa está o Projeto Frutificar. Aprovada em agosto de 2018, a iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) tinha previsão de ser iniciada neste ano.
A duração prevista do Frutificar é de três anos, com orçamento total de R$ 29 milhões. O programa estimularia a produção de açaí e cacau por mil famílias no Amapá e no Pará.
“É um projeto voltado para comunidades agrícolas de pequeno porte, e que indiretamente contribuiria para a redução do desmatamento”, destaca Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam. “Quando o governo federal pediu mudanças na operação do Fundo, o programa, que já estava pronto, ficou parado no BNDES. Agora, sem os recursos da Noruega, não sabemos o que vai acontecer com ele”.
Adriana Ramos, sócia do Instituto Socioambiental, considera que o corte de doações da Noruega já era previsível:
“A existência do Cofa era uma exigência contratual da Noruega para manter o seu apoio ao Fundo Amazônia”, ressalta. “O comitê foi extinto sem a apresentação de qualquer proposta para substitui-lo. Sua estrutura era importante porque permitia que diversos setores do governo e da sociedade acompanhassem os trabalhos: ministérios, secretarias estaduais, representantes de empresários, cientistas e da sociedade civil”.
Para Adriana, a Noruega continuará investindo em programas ambientais da Amazônia, mas sem firmar contratos com o governo federal.
Em nota, a ONG norueguesa Fundação Rainforest reivindica que a iniciativa privada pressione o governo brasileiro a montar uma política ambiental “responsável e previsível”:
“A Noruega compra grandes quantidades de soja para agricultura e piscicultura”, ressalta o comunicado. “Deve ser claramente dito ao governo brasileiro que uma boa cooperação comercial exige que as autoridades cumpram com acordos e obrigações internacionais”.
Na semana passada, em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, criticou uma suposta “contradição” do governo norueguês , que “fomenta recursos para ONGs” na Amazônia ao mesmo tempo que explora petróleo no Círculo Polar Ártico.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, 11% das emissões anuais de gases estufa são provocadas pelo desmatamento de florestas tropicais.
Mudança de rumo
Desde o início do governo Bolsonaro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, critica a destinação dos recursos do Fundo Amazônia e as supostas “inconsistências” de sua gestão pelo BNDES.
Para Salles, o fundo teria se transformado num mecanismo de mera distribuição de verbas, sem dispositivos de avaliação dos resultados, o que colocaria em risco os objetivos estabelecidos para a sua própria constituição.
O banco de desenvolvimento afastou a chefe do Departamento de Meio Ambiente , Daniela Baccas, responsável pela administração das doações do Fundo Amazônia. No entanto, a Controladoria-Geral da União e os governos da Alemanha e da Noruega não corroboraram as suas críticas de Salles. A gestão Fundo também foi elogiada em uma auditoria realizada no ano passado pelo Tribunal de Contas da União
O GLOBO entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente brasileiro e com a Embaixada da Noruega, mas ainda não obteve resposta. O Palácio do Planalto afirmou que não comentará os cortes.
A Alemanha já havia anunciado o corte de repasses ao Brasil , mas restritos a projetos de preservação da floresta que não estavam ligados ao Fundo Amazônia. O governo brasileiro reagiu afirmando não precisar do dinheiro do país europeu.