Recentemente, a mídia social tem produzido algumas afirmações de que existe um debate entre cientistas sobre o clima, suas mudanças e causas. Debate entre cientistas não é nada novo, cientistas sempre estão discutindo, afinal esta é a maneira como a ciência avança. Existem debates sobre a lei da gravidade, por exemplo, e até alguns sítios no Youtube afirmam que gravidade não existe. Mesmo assim, a grande maioria dos cientistas e engenheiros usa a lei da gravidade como base conceitual para o seu trabalho.
Na discussão sobre clima, algumas fontes na mídia social propõem que o número de cientistas convencidos de que a influência humana no clima não é significativa é igual ao número dos que acham que esta influência é significativa, ou seja 50% não e 50% sim. É uma afirmação que pode ser testada; vamos lá.
Uma maneira de avaliar como a maioria dos cientistas está pensando é analisar as declarações das associações de cientistas. Associações têm mais para perder em termos da sua reputação se fizer uma declaração errônea do que um cientista individual. Por isso, associações de cientistas fazem relativamente poucas declarações e quando as fazem são sobre assuntos com base cientifica sólida.
Academias nacionais de ciência reúnem os melhores cientistas dos seus países. O Brasil tem a sua Academia Brasileira de Ciências (ABC) que se manifestou em 2001 sobre a influência humana no clima numa comunicação conjunta com academias em 15 países e regiões: China, Índia, Canada, Bélgica, Austrália, Caribe, França, Alemanha, Itália, Malásia, Irlanda, Indonésia, Turquia e Grande Britânia e Suécia.
A ABC assinou uma outra comunicação em 2005, afirmando que as mudanças climáticas são reais e precisamos agir para reduzir os seus impactos. Esta declaração de 2005 incluiu as academias da Rússia, China, Estados Unidos e Japão.
Em 2012, a ABC assinou junto com as academias dos países G8+ e do México uma declaração sobre a importância de medir gases de efeito estufa. Em fevereiro de 2019 a ABC notou que o Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, afirmou que “As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta”.
Mas apesar de representar os melhores cientistas no Brasil e de outros países, as academias de ciências só têm uma parcela pequena de especialistas em meteorologia e climatologia, portanto seria bom verificar o que as associações profissionais e instituições destes especialistas afirmam.
As maiores associações estão baseadas nos EUA, mas têm membros de vários países. Por exemplo, a Sociedade Americana de Meteorologia tem cerca de 13.000 membros em quase 100 países. A sociedade emitiu uma declaração no mês passado reforçando as declarações dos anos de 2007 e 2012, afirmando em detalhes como a influência humana está aquecendo o planeta. A Union Geofísica Americana com 62.000 membros em 142 países emitiu em 1998 e reemitiu em 2013 uma declaração pedindo ação urgente sobre mudanças climáticas.
A Organização Mundial de Meteorologia (OMM) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem publicado, nos últimos 25 anos, relatórios sobre o estado do clima mundial. O relatório de 2018 notou que os quatro anos mais quentes no registro mundial de temperaturas foram os anos 2015 a 2018. A quantidade de calor nos oceanos está no nível recorde e eventos extremos climáticos afetaram todos os continentes com custos medidos em bilhões de dólares. A OMM tem chamado para ações urgentes para mitigar a influência humana no clima e para adaptar as consequências desta influência.
Na busca de associações de cientistas que não apoiam a conclusão que atividade humana está influenciando o clima, se encontra a Associação Americana de Geólogos de Petróleo. Dado que a atividade humana que mais afeta o clima é a queima de produtos de petróleo, se espera algo contrário desta associação. Mesmo assim, na sua declaração de 2007, esta associação considera a redução de emissões de queima de combustíveis uma meta louvável, porém precisa levar em conta os seus custos econômicos. Uma busca de associações nacionais ou internacionais de cientistas negando a influência humana no clima encontrou zero exemplos. Um outro indicador seria os milhares de artigos publicados em revistas cientificas. Dependendo dos critérios, a porcentagem dos artigos que aceita que a influência humana no clima é uma realidade varia entre 90 e 99%.
Voltando para a afirmação em algumas mídias sociais de que alguns cientistas dizem que sim e outros dizem que não sobre a influência humana no clima, podemos colocar no lado de sim dezenas de academias nacionais de ciência, as maiores associações de especialistas e mais de 90% das publicações cientificas. No outro lado tem alguns cientistas, páginas da mídia social, zero academias nacionais de ciência e zero associações de especialistas.
Este resultado não me traz felicidade. Para o futuro dos meus netos que vão ter a minha idade nas décadas de 2070 e 2080, teria sido muito melhor se a influência humana no clima fosse nula ou a fabricação de uma conspiração.
Afinal, vamos precisar mudar a trajetória da influência humana no clima, se quisermos evitar desgraças de dimensões globais nas próximas décadas.
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Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente da Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre. Coordenador do Projeto MAP-Resiliência.