“Permanece, assim, que nenhum homem bom deve mentir”.
Assim diz Santo Agostinho em sua obra intitulada “Sobre a Mentira” (De Mendacio), mostrando de forma bem categórica o que ele pensa sobre a mentira e sobre o homem que mente. Para deixar claro o motivo, ele segue: “Eles são assassinos de si mesmos”. Ou seja, antes de mais nada, a mentira parece ser algo que vai contra o próprio mentiroso. E nos parece, que o pensamento de Santo Agostinho estar tão distante, mas tão atual que vale a pena refletir: como a mentira afeta a nossa vida? Como nos assassinamos cada vez que mentimos um pouquinho?
Além da obra “De Mendacio”, Santo Agostinho tem outra muito parecida, que escreveu mais tarde, chamada “Contra Mendacium”, que significa “Contra a mentira”. Isso certamente mostra a preocupação do santo com esse tema. E isso se dá porque na sua época já existiam algumas ideologias que não só não pareciam ter problemas com a mentira, como também a utilizavam sem reparo para conseguir um bem maior, inclusive no âmbito religioso.
Já na época de Agostinho, existiam esses dilemas e ele próprio reconheceu alguns níveis de mentira onde a mais grave, por exemplo, é aquela que se dá por motivos religiosos. Mentir sobre Deus é, para Santo Agostinho, o pior dos tipos, mesmo que supostamente se queira um bem para o outro. Ainda com relação a isso, lembra-nos que Jesus não ensinou as suas ovelhas a se disfarçarem de lobos, mas a suportar a dor da mordida, desfazendo o mal com o bem.
No entanto, se olharmos para hoje em dia e para nós mesmos, muitas vezes percebemos que essa mentalidade não ficou para trás. Quantas vezes preferimos uma mentirinha a passar por um transtorno que resultaria da verdade? Ou quando mentimos para não causar um sofrimento aos demais? Na sua família, existe o hábito de justificar as coisas com pequenas mentiras? Por exemplo: quando alguém telefona para sua mãe e ela não quer atender, como você responde a quem ligou? O que você é orientado a falar? Pois é, são essas pequenas mentiras, muitas vezes aprendidas em família, na orientação dos pais para os filhos ou em seu modelo, que formam a base do hábito de mentir. Um hábito que os próprios pais estabelecem, mesmo não querendo.
Ademais, a verdade é para o santo, e para todos nós cristãos, identificada com o próprio Jesus Cristo, que disse sobre si mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. A mentira é, então, uma negação do próprio Jesus, e em circunstância nenhuma pode ser tomada como um bem em si.
Nessa perspectiva, entendemos também por que podemos dizer com razão que ela é, no sentido espiritual, um ato suicida. Porque se Jesus é a vida e nós o negamos com nossas mentirinhas (e mentironas), também estamos negando a própria vida. Vamos morrendo espiritualmente. E Santo Agostinho é, mais uma vez, categórico aqui: “Na religião divina, jamais será correto proferir uma mentira, não importa quando”.
Lembremos do 9º Mandamento da Lei de Deus quando proíbe a mentira: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êxodo 20,16). Não esquecendo é claro, do que disse Nosso Senhor no Evangelho de São João 8, 44: “Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”.
Com isso, o principal problema para o mentiroso é a recusa em reconhecer-se um mentiroso. Talvez seja o momento de você rever as perguntas iniciais, identificar as mentiras na sua vida, as mentiras que você vive e conta para si mesmo e para os outros, pensar nas causas e, principalmente, assumir sua responsabilidade por uma conversão, por uma mudança VERDADEIRA. Pedir perdão a quem mentiu. Observe-se. Identifique as mentiras. Analise o motivo, a dificuldade em se comprometer com a verdade naquela situação. Proponha-se, então, a enfrentar essa dificuldade.
A alegria consiste em viver reconciliado com sua realidade, sem fugas, sem esquivas, sem desculpas, portanto, sem mentiras. Ser livre consiste em assumir as consequências dos nossos atos. Por pior que seja a realidade, as verdadeiras ervas daninhas são aquelas que você cultiva no seu coração quando foge de viver o que sua realidade lhe oferece.
Então, tomemos cuidado, porque o que sai da nossa boca é de nossa responsabilidade. Procuremos que, por meio dela, as pessoas encontrem palavras de alegria, comunhão, amor e, sobretudo hoje, verdade. A verdadeira paz vem com a liberdade e, como nos disse Jesus, “ a Verdade nos libertará”.
“Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor; mas os que praticam a verdade são o seu deleite” (Provérbios 12,22). Paz e Bem.
Adaptado – https://www.a12.com/redacaoa12/espiritualidade/a-mentira-por-santo-agostinho
Frei Paulo Roberto,
Ordem dos Frades Menores Capuchinho – OFM Cap. Pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Petrópolis – RJ. Colaborador no Núcleo em Formação da Fraternidade da Ordem Franciscana Secular-OFS, na Diocese de Rio Branco – Acre. Encontro todo 3º domingo do mês na Paróquia Santa Inês, às 9h.