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Desmatamento na Amazônia afeta as chuvas?  Sim. A pergunta mais importante:  Quanto?

Foster Brown

Na sexta-feira (29nov19) no auditório do SEBRAE, assisti uma palestra do Luiz Molion, um cientista que tem dúvidas sobre a influência humana no clima. Ele iria ministrar duas palestras, mas, por causa de extensas falas de autoridades na mesa, só deu para apresentar uma, intitulada “Amazônia: Clima Global e Desenvolvimento Regional”.

Fiquei impressionado com o foco dele na questão de manter a floresta em pé e encontrar alternativas que permitem desenvolvimento sem impacto ambiental.  De certa maneira concordei com cerca de 90% do que ele falou; este artigo é para explicar as divergências nos 10%.

Professor Molion é um excelente palestrante e simplifica conceitos para facilitar o entendimento do público. Mas como a frase atribuída ao Albert Einstein: tudo deveria se tornar o mais simples possível, mas não simples demais. Às vezes, Professor Molion simplifica demais ou erra, como qualquer cientista, como no caso de desmatamento e chuva na Amazônia.

Na conclusão da sua palestra, ele afirma que “Amazônia não é fonte de umidade para a América do Sul, mas sim o oceano Atlântico”. Nenhum cientista propõe que a Amazônia é uma fonte de água, mas é o lugar onde transformações ocorrem numa grande escala.  Portanto, concordo com ele parcialmente.  Mas, Professor Molion falou que desmatamento não vai afetar a entrada ou saída da água na Amazônia devido a lei de conservação de massa. Infelizmente, não é o caso, por causa das transformações.  Vamos lá para explicar.

Na Amazônia, a água está principalmente em duas formas.  A primeira é como líquida como gotas em nuvens ou como água nos rios e nos solos. A segunda é como gás invisível – vapor de água. Podemos usar a lei de conservação de massa para entender melhor o processo. A evaporação do oceano Atlântico tropical produz o vapor de água e as nuvens que entram na Amazônia empurrados pelos ventos alísios do Leste. Esta quantidade de água tem que ser igual ao fluxo do rio Amazonas, voltando ao oceano Atlântico, somado ao vapor de água e nuvens que sai da bacia da Amazônia, principalmente ao sul.

Estes ´rios voadores´ transportam a água de nuvens e vapor principalmente de Leste ao Oeste até eles chegarem perto dos Andes onde eles mudam de direção, indo para sul e sudeste.   É o local onde isto acontece é a nossa região da Amazônia. O Acre é realmente onde o vento faz a curva, especialmente no período chuvoso, como se pode ver no mapa anexo. Neste período, exportamos vapor de água e nuvens a Bolívia, ao centro oeste e ao sul do Brasil.

Até este ponto, concordo com o Professor, mas quando ele disse que desmatamento não vai afetar as chuvas, ele se equivocou.  As árvores da floresta Amazônica são recicladoras de água, bombeando a água líquida que caiu como chuva e infiltra no solo, levando-a até as folhas onde sai com vapor de água, invisível mas real. Os ventos levam esta água para Oeste onde ela condensa e cai como chuva.

Este processo, chamado evapotranspiração, mais o deslocamento através dos ventos, recicla a água de chuva, permitindo que a nossa região no Sudoeste da Amazônia receba mais chuva do que teria tido se fosse vindo direto da evaporação do oceano Atlântico. Em outras palavras, parte das nossas chuvas vem de evapotranspiração de florestas no Leste da Amazônia.

Este mecanismo foi descrito nas décadas de setenta e oitenta e faz parte do nosso entendimento do ciclo de água na Amazônia;  afinal uma proporção da chuva no Acre vem de reciclagem por vegetação.

Neste processo, o tipo de vegetação importa. Uma floresta normalmente tem raízes que penetram bem mais fundo no solo do que as de grama de pastagem ou as de soja. Isto significa que a floresta pode bombear mais água na última parte do período seco quando as gramíneas de pastagens já secaram ou os cultivos já produziram. Uma série de estudos afirmam que via evapotranspiração, as florestas iniciam o período chuvoso no sul da Amazônia meses antes da Zona Inter-Tropical de Convergência chegar na região.

Então, a vegetação na bacia Amazônica está ligado com o ciclo da água.  Como nem todos conhecem os estudos, durante o período de perguntas da palestra, expliquei para o Professor que dois estudos compararam os fluxos de rios Tocantins e Araguaia antes e depois desmatamento significativo nas suas bacias. Os fluxos aumentaram cerca de 25%  com cerca de dois-terços vindos do efeito de desmatamento e conversão de florestas e cerrado a areas agrícolas e pastos. Em outros estudos, a queda de evapotranspiração foi cerca de um terço quando se mudou de florestas a pastos e plantações de soja.

O Professor Molion concordou que a mudança de uso da terra que vem de desmatamento pode aumentar os fluxos de água nos rios, e, consequentemente, via balanço de água, reduzir a evapotranspiração. Ou seja, mais água no rio retorando ao oceano significa menos água reciclada nas chuvas.   Então, em princípio o desmatamento pode afetar as chuvas dentro da bacia Amazônica e por extensão, em outras partes da América do Sul.

A questão mais pertinente, e que merece um artigo em si só, é quanto este processo está ocorrendo.  No sul da Amazônia já se nota que o período seco está aumentando, reduzindo o período de chuvas que tem ramificações sobre a agricultura.  Nas últimas décadas, o período seco aumentou cerca de um mês no sul da Amazônia, junto com um aumento de temperatura na Amazônia como todo.  A causa deste  prolongamento do período seco  não  está  confirmada, mas suspeitamos que o desmatamento pode ser um contribuinte significativo, como foi determinado para partes de Mato Grosso.

Concordo com o Professor Molion que precisamos manter a floresta Amazônica em pé.   Só que eu considero uma razão a mais: a abundância e distribuição de chuvas  (o que faz Amazônia ser Amazônia)  numa escala regional que está em risco com a continuação do desmatamento.

Uma cópia deste artigo com referências e no formato pdf é disponível via  agazeta.jornal@gmail.com.

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Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.

O vento faz a curva acima do Acre: do nordeste a sudeste no período chuvoso (exemplo de janeiro).

Fonte: https://earthobservatory.nasa.gov/features/AmazonLAI/amazon_lai3.php

 

 

A Gazeta do Acre: