Quando eu era pequena, minha avó materna, que estudou em colégio interno de freiras na década de 50, me contava muitas histórias daquela época. Dentre estas histórias, ela relatava que a madre superiora inspecionava o uniforme das meninas e media com régua a saia das alunas. Graças à evolução social, este condenável comportamento parecia já ter sido abandonado há muitos anos, mas a cruel realidade vem para nos mostrar o contrário.
Em pleno ano 2019 (quase 2020), é estarrecedor receber a notícia de que a juíza diretora do Fórum de Iguaba Grande, no Rio de Janeiro, estaria impedindo a entrada, no Fórum, de advogadas cujas saias estivessem mais de cinco centímetros acima do joelho. Segundo noticiado, para controlar o padrão imposto por ela, a juíza teria colocado um aviso estabelecendo o tamanho da saia permitido para o ingresso naquele órgão público, além de ter autorizado os seguranças a medirem as roupas das advogadas com régua.
Por óbvio que a atitude da magistrada causou indignação e provocou diversas providências por parte das entidades, dentre elas a Seccional carioca da Ordem dos Advogados do Brasil, que protocolou uma representação disciplinar contra a juíza diretora na Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Antes desta medida, a OAB/RJ já havia, por diversas vezes, tentado dialogar com a juíza, que teria chamado de “piriguetes” as advogadas que frequentam o Fórum vestindo, o que a juíza considerava, para seu padrão, saias curtas.
Este comportamento, por si só, já seria condenável, mas a situação se agrava quando uma juíza, que se espera seja uma pessoa preparada para julgar o próximo, tolerante, demonstra atitude de verdadeira discriminação, preconceito e intolerância. Ao final, tudo se agrava ainda mais e chama tanto a atenção pelo fato de que isto tudo partiu de uma mulher, que deveria respeitar suas colegas mulheres.
Diante desta postura extremamente machista, pergunta-se, ainda, se a magistrada em questão, enquanto diretora de um Fórum, não teria muito mais com que se preocupar, além da irrelevante medida da saia das advogadas.
Não é razoável e nem aceitável que uma autoridade se preocupe com centímetros da saia das advogadas que ingressam em um órgão público, para exercer sua atividade profissional. O comportamento machista e antiquado da servidora pública não agrega em nada, ao contrário, apenas demonstra discriminação e impede o exercício profissional das advogadas.
No Brasil, atualmente, não podemos admitir este tipo de falta de bom senso, com uma postura tão atrasada e desrespeitosa, que traz em si um forte perfume de abuso de autoridade.
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*Adriana Filizzola D’Urso – Advogada criminalista, mestre e doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal), estudou Ciências Criminais e Dogmática Penal Alemã pela Universidade Georg-August-Universität Göttingen (Alemanha), Diretora da Comissão Brasileira das Advogadas Criminalistas da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), Membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ) e do Instituto de Juristas Brasileiras (IJB).