Luísa Karlberg [email protected]
O texto de hoje aborda assunto ligado a Onomástica, ciência que estuda a origem e o significado dos nomes das pessoas. É temática fascinante que desperta curiosidade e interesse. Afinal, quem não gostaria de saber a origem de seu nome e o desígnio que ele carrega? Por isso, reina entre os povos a curiosidade sobre a origem dos nomes e do mistério que envolve o seu significado. Para grande parte das culturas humanas o nome vem carregado de desígnios que devem ser cumpridos pelas pessoas. E, nesse sentido, alguns estudiosos dizem que os egípcios da Antiguidade consideravam o nome pessoal mais que um signo de identificação. Para eles, era uma dimensão do indivíduo, pois acreditavam no poder criador e coercitivo do nome. Este, portanto, seria uma coisa viva, por estar, simbolicamente, carregado de significação.
Os povos modernos, a exemplo dos egípcios, demonstram particular interesse sobre a origem e o significado dos nomes. Em decorrência disso surgiu a Onomástica, ciência que trata da etimologia, transformação e classificação dos nomes próprios. Esta ciência, como parte do sistema comunicativo, tem condições de fixar ou retratar, de modo direto, os elementos indiciais prioritários da comunidade que analisa. Enquanto isso, a Toponímia, ramo da Onomástica, estuda a origem e explicação dos nomes das localidades (topônimos).
Modernamente, a Antroponímia é o estudo dos antropônimos, ou seja, dos nomes próprios dos indivíduos. E, nesse particular, muitas culturas fazem uma estreita relação entre o nome e o destino das pessoas. Ou seja, para alguns povos as pessoas cumprem os desígnios impregnados nos nomes que transportam. A tradição judaica, por exemplo, sempre atrelou nomes próprios com seu significado, implicando, assim, uma identificação do futuro de um indivíduo com seu próprio nome. O próprio Nabucodonozor, rei da Babilônia, mudou o nome de quatro cativos hebreus, nobres de Jerusalém, Daniel, Hananinas, Misael e Azarias para Belteshazar, Shadrach, Meshach e Abed-Nego, para aproveitar-se melhor do talento deles.
Compreende-se, então, porque na cultura de muitos povos conhecer o nome de alguém ou escrevê-lo em algum lugar, em rituais de magia, dependendo das intenções de quem o faz, pode ser benéfico ou não à pessoa nominada, por força do dinamismo simbólico que liga a pessoa ao nome. Todavia não é justamente esse liame que se estabelece entre o nome e a pessoa, que motiva alguém, em algumas regiões do Brasil, a escrever, com faca, no tronco da bananeira, o nome da pessoa escolhida, na noite dedicada a Santo Antônio, a fim de prender-lhe o coração. Há, ainda, muitas outras magias ou simpatias praticadas com os nomes, com objetivos diversos.
De todas essas coisas, é importante observar que cada nome que nomeia, identifica uma pessoa, se preenche de uma essência significativa não encontrada em outra pessoa. Com isso, mesmo que as pessoas carreguem nome semelhante, os desígnios são diferentes, pois cada nome identifica uma personalidade única que nunca se repete no universo. Isso significa dizer, em outras palavras, que duas pessoas de nomes iguais, ou seja, com o mesmo significante, fazem com que seus onomásticos adquiram um valor diferenciado pela maneira muito pessoal de serem. Assim, é mais admissível que o significante “João Paulo” remeta-nos ao papa, e não ao nosso vizinho que dessa forma foi registrado, isso porque as qualidades dele não foram, até então, suficientemente reveladoras. Reitera-se com isso que o nome e, no caso em questão, o apelido não se constroem sozinhos, necessitam do trabalho intenso de seu portador, para que, independente dele, tornem-se referências do seu ser, do seu agir , do seu pensar.
Sendo a antroponímia um campo vasto para investigação, esse artigo é um ensaio de estudo maior que se empreende no campo da linguagem. E, na brevidade deste texto, descrevem-se uns poucos antropônimos e as senhas que eles transportam como desígnios que seus portadores têm de cumprir:
Jorge, George – Do grego”trabalhador da terra, agricultor”, indica um homem determinado e seguro de si. Pode ser um pouco arrogante e impetuoso, mas sempre respeita os limites das pessoas à sua volta.
Raimundo – Significa protetor ou sábio. Indica uma pessoa que tende a se isolar, pois é muito rigorosa consigo mesma e supervaloriza as virtudes dos outros. Mas, quando se conscientiza da sua própria importância, toma-se capaz de dar apoio. Sebastião – Do grego “sagrado, reverenciado”. Pessoa que valoriza o dinheiro, porque ele pode abrir muitas portas. É fiel e, em troca, quer receber o mesmo tratamento. Realiza seu trabalho em aproveitamento do bem-comum por desejar harmonila social.
Silvana, Silvania – Latim, proveniente da floresta, da selva. Pessoa que tem todas as chances de realizar seus desejos. Isso porque esse nome é uma marca de prosperidade. Para se relacionar bem é preciso controlar a impetuosidade. Do latim “das selvas”.
Graça, Grace – Do latim, nome associado às deusas mitológicas que tinham o dom de agradar. Significa também beleza e elegância. Indica uma pessoa que procura viver em harmonia com todo mundo. Mas sua delicadeza não deve ser confundida com fragilidade, pois se trata de uma mulher muito forte.
Salete – Do francês, referente a Nossa Senhora de Salete. Determinação, coragem, ousadia e fé.
Olinda – Do latim “cheirosa, odorosa”, é pessoa dedicada a muitas tarefas, lutadora do mundo.
Conclui-se o texto lembrando que o nome que os pais dão aos filhos não é marca ou propriedade de quem escolhe e sim a identificação de uma pessoa por toda a vida. E, em segundo lugar, o sobrenome, também um antropônimo, o acompanhará. Esse sobrenome, como se diz no Brasil, realça a tradição secular de composição do nome de uma pessoa, ou seja, o prenome se constrói com pelo menos dois apelidos de família oriundos da ascendência paterna e materna. Então são o primeiro nome e os dois (nomes) apelidos de família que vão cumprir, por meio da pessoa, os desígnios da significação que transportam.
DICAS DE GRAMÁTICA
MEU ÓCULOS ou MEUS ÓCULOS?
– Meus óculos, sempre no plural, por ser o par, assim como as meias, os sapatos, os brincos, as calças, as algemas, as luvas. Ora, se quisermos, podemos designar esses objetos de duas peças pelo seu singular: já devem ter ouvido (ou dito) “ele comprou um sapato caríssimo“, “o uniforme exige meia preta“, “o Mickey Mouse antigo estava sempre de luva branca“, “minha calça está rasgada” – e, nessas frases a pessoa faz referência a um só pé de sapato, a um só pé de meia.
A palavra óculos, a exemplo de outras (exéquias, parabéns, núpcias, pêsames, férias), é usada exclusivamente no plural.
Assim, não posso dizer: Tua férias começa amanhã. Meu parabéns!
É correto afirmar:
– Tuas férias começam amanhã. Meus parabéns!
Evidentemente, estamos empregando a palavra óculos, privativamente significando “lentes usadas em frente dos olhos (…), encaixadas em uma armação munida de hastes…” (Aurélio).
Existe óculo, no singular? Sim. Mas noutros sentidos. Significando, por exemplo, luneta, binóculo, microscópio, telescópio.
RISCO DE MORTE ou RISCO DE VIDA?
– A pessoa pode correr risco de morte, se é “de vida”, não há risco algum, por isso a expressão é condenada pelos gramáticos. Aliás a confusão entre as duas formas não é privilégio do falante da língua portuguesa, pois ocorre também no Inglês (risk of life, risk of death), no Espanhol (riesgo de vida, riesgo de muerte) e no Francês (risque de vie, risque de mort).
As gramáticas tradicionais dizem ser correto:
* Severino, trabalhando em condições subumanas, corre perigo de vida.
* Parece milagre: Marialva já não corre risco de vida.
Diz-se assim porque a vida é que está exposta a risco ou perigo. Contudo, querendo-se enfatizar o aspecto oposto, diga-se: “Em jejum há dois meses, ele corre o risco de morrer” (mas não ‘risco de morte’).
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(*) Luísa Galvão Lessa Karlberg, IWA – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Presidente da Academia Acreana de Letras; Membro perene da IWA.