EVANDRO FERREIRA
No Brasil, a guinada política resultante das eleições ocorridas em 2018 tem como um dos seus alvos preferenciais o meio ambiente na região amazônica. Não no sentido de se intensificar a proteção e o manejo sustentável dos recursos naturais da região.
Ou mesmo tirar partido do legado e do respeito que o país tinha alcançado na seara ambiental até então para atrair para o Brasil uma enxurrada de recursos financeiros – em sua maioria doados – para aplicação no desenvolvimento sustentável da região.
Muito pelo contrário. Em 2019 – e tudo indica que em 2020 a situação vai caminhar da mesma forma – notou-se uma clara tendência no sentido do desmonte e descredito dos setores de fiscalização e controle ambiental por todo o país.
Autoridades e lideranças ambientais constituídas, além de alguns parlamentares, não esconderam o desprezo e a vontade de eliminar ou alterar em termos que lhes sejam favoráveis o que eles chamam de “amarras” ambientais representadas pela abrangente legislação e o relativamente eficiente sistema de aplicação da mesma que vigora no país.
Ao longo do ano e de forma quase sistemática o que se viu foram repreensões e condenações públicas de ações absolutamente legais executadas pelos serviços de fiscalização e controle de delitos ambientais.
Essas palavras vieram não apenas do Presidente e do seu Ministro do Meio Ambiente, amplamente divulgadas na imprensa. Mas também de parlamentares da chamada “bancada da bala e da motosserra”, de lideranças agroindustriais ávidas em expandir pastagens Amazônia afora, garimpeiros, madeireiros e até mesmo grileiros de terras públicas.
Em julho de 2019 o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se reuniu com madeireiros em Espigão d’Oeste (RO) depois que atos de vandalismo resultaram na destruição de um caminhão tanque a serviço do Ibama e de pontes em estradas da região para impedir a realização de uma operação de combate à retirada ilegal de madeira de uma Terra Indígena local.
Em razão do vandalismo, o Ibama teve que cancelar a operação e “revidou” embargando o funcionamento de 47 madeireiras localizadas em Espigão d’Oeste. Detalhe: todas as madeireiras embargadas dependiam da retirada ilegal de madeira da Terra Indígena.
Isso ocorre porque a exploração madeireira praticada em Rondônia a partir dos anos 80 foi feita de forma predatória. Resultado: hoje não existe em áreas de florestas de reservas legais de propriedades particulares daquele estado estoques exploráveis de madeira para abastecer a indústria local.
No começo de novembro de 2019, Salles se reuniu em Brasília com um grupo de moradores da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes e do seu entorno para discutir uma suposta “truculência” por parte de fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsáveis por combater delitos ambientais no interior da Reserva.
A reunião foi articulada pela bancada federal acreana, que compareceu em peso ao encontro, e o resultado imediato foi a suspensão da fiscalização dentro da RESEX para esclarecer a situação.
Infelizmente, além dos parlamentares acreanos, entre os participantes da reunião encontravam-se o autor de uma ameaça de morte contra um servidor do ICMBio, um ex-procurador-geral de Justiça do Acre acusado de abrir uma estrada ilegal dentro da RESEX, dois condenados por desmatamento dentro da RESEX e dois fazendeiros autuados por desmatamento dentro da RESEX.
Por certo que os parlamentares que articularam a reunião, alguns dos quais conheço pessoalmente, não podem ser acusados de coniventes com a situação, pois a intenção deles é sempre estar ao lado de quem produz, apoiar o homem do campo.
Mas nesses tempos em que os ataques ao meio ambiente e à legislação que regula a sua conservação e exploração são lugar comum no Brasil, todo cuidado é pouco. O resultado desse descuido foi que o assunto virou manchete extremamente desfavorável na imprensa nacional e os parlamentares que apoiaram o encontro não foram vistos com bons olhos pela opinião pública.
Hoje, após a posse de um novo governo em Brasília e na maioria dos Estados que compõem a federação, o que se tem posto é uma visão de que o progresso só é possível sem os empecilhos representados pela legislação que regula a conservação e o manejo sustentável dos nossos recursos naturais e da nossa rica biodiversidade.
Falta pouco para que os que defendem essa visão digam abertamente e sem constrangimento que “é preciso desmatar livremente, acabar com unidades de conservação, terras indígenas, reserva legal, APPs, sob pena de o progresso do país ser comprometido”.
Mas será que isso é verdade?
Um relatório produzido sob encomenda e chancelado pelos países integrantes do “Fórum Econômico Mundial 2020” realizado em Davos, Suíça, no começo de 2020 mostra o quanto a natureza ainda é indispensável para o progresso econômico das nações:
– As empresas são mais dependentes da natureza do que se pensava anteriormente, com cerca de U$ 44 trilhões de dólares em geração de valor econômico moderada ou altamente dependente da natureza. Esse valor equivale a mais da metade do PIB mundial e mostra o quanto nós estamos correndo riscos econômicos em caso de destruição indiscriminada da natureza;
– Os setores mais altamente dependentes da natureza para a sua existência são a indústria da construção (U$ 4 trilhões), a agricultura (U$ 2,5 trilhões), o setor de industrialização de alimentos e bebidas (U$ 1,4 trilhões). A China, União Europeia e os Estados Unidos tem o maior valor econômico absoluto em indústrias dependentes da natureza.
O relatório do Fórum Econômico Mundial é claro em concluir que “existe um potencial de ganho mútuo para a natureza, o clima, as pessoas e a economia, se os atores comerciais e econômicos puderem responder com urgência para proteger e restaurar a natureza e começar a identificar, avaliar, mitigar e divulgar regularmente os riscos relacionados à natureza para evitar consequências potencialmente graves”.
Por que isso não seria válido e aplicável no Brasil? Porque defender a destruição sem critério das nossas riquezas naturais e biodiversidade?
Para saber mais: “Nature Risk Rising:Why the Crisis Engulfing Nature Matters for Business and the Economy”, World Economic Forum, Davos, Switzerland, january, 2020, 36 page