Você prefere perder cem reais ou mil reais? Com a pandemia da doença Covid-19, causada pelo novo coronavírus, enfrentamos basicamente a questão de quanto queremos perder. Obviamente neste caso hipotético, você preferia perder apenas cem reais, mas quando as quantias tornam-se uma mistura de dinheiro, danos sociais e vidas, a situação se torna mais complicada. Esta é a exata situação que o mundo enfrenta agora com a pandemia da Covid-19: “o quanto queremos perder.”
Uma opção é não fazer nada diferente do normal, esperando que tudo seja um exagero, basicamente negando que existe um problema, ou seja, ser complacente. Foi a posição do governo chinês em dezembro de 2019 e em grande parte do mês de janeiro de 2020.
Em Wuhan, China, onde surgiu a doença Covid-19, Dr. Li Wenliang alertou outros médicos e autoridades sanitárias, no dia 30 de dezembro de 2019, sobre uma doença desconhecida, grave e potencialmente letal. O governo chinês decidiu puni-lo por ‘espalhar boatos’, ao invés de agir, investigando e iniciando medidas de controle. Dr. Wenliang morreu infectado pelo novo coronavírus no dia 06 de fevereiro de 2020.
No fim de janeiro o governo chinês mudou de atitude, basicamente iniciando medidas restritivas de mobilidade para uma grande parte da população do país, algo que só um governo totalitário aparentemente pode fazer.
Surpreendentemente, os governos de Singapura, Hong Kong e Taiwan, países fronteiriços a China e com alta probabilidade de serem afetados pela pandemia, tiveram mais sucesso no controle da mesma, adotando basicamente três medidas: (1) restringindo a chegada de novos casos (limitações de viagens); (2) mantendo em quarentena os casos suspeitos e confirmados; (3) reduzindo o contato entre indivíduos (melhor higiene, distanciamento social e auto isolamento). Parte desse plano de ação foi aprendido no enfrentamento de uma pandemia ocorrida em 2002/2003; eles estavam capacitados para responder ao desafio de uma nova pandemia, como a Covid-19.
Em termos de maus exemplos de controle, infelizmente temos muitos. O Japão, apesar da sua larga experiência em desastres, cometeu um grande equívoco ao confinar passageiros saudáveis e infectados pelo novo coronavírus no navio Diamond Princess, provocando quase 700 casos e 7 mortes.
Os EUA, que não conseguiu fazer testes suficientes para identificar pessoas infectadas, e assim criou um exemplo real do ditado “A ausência de evidência não é evidência de ausência” e estabeleceu o bloqueio com a Europa tarde demais. Itália e Iran também perceberam tarde demais que a pandemia estava instalada e em fase exponencial de crescimento. Em outras palavras, erraram no tempo de reagir. Agora, o mundo inteiro pagará o preço.
O preço de não agir a tempo será o equivalente a perda de mil reais na pergunta inicial. O Diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatizou recentemente que precisamos nos preparar para o pior nesta pandemia.
A razão é que vamos errar na nossa reação, subestimando ou superestimando o problema. Afinal, pandemias sempre terminam. A questão é qual vai ser o custo de agir ou não agir. Agir vai causar perturbações severas na economia, na educação, e no bem-estar da sociedade brasileira.
Seguindo a orientação do diretor da OMS, vamos analisar o pior cenário de não agir. Para este fim, vamos usar como exemplo projeções recentes para os EUA, com uma população de 330 milhões de pessoas. O Brasil tem 211 milhões, cerca de dois terços a dos EUA.
Recentemente os profissionais do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA fizeram uma estimativa do pior cenário, mas foram proibidos de informar ao público. O New York Times conseguiu reconstruir os dados e confirmaram com pesquisadores independentes.
O custo de não agir para controlar a Covid-19 nos EUA seria entre 160 e 214 milhões de pessoas infectadas durante os próximos meses, entre 2,4 e 21 milhões precisando de hospitalização (existem menos de um milhão de leitos nos hospitais nos EUA) e entre 200.000 e 1.7 milhões de mortes. Numa maneira simplista podemos multiplicar estes números por 2/3 para ter uma ideia do caso brasileiro. Como foi dito, para gerar estes números os pesquisadores assumem a falta total de ações de mitigação e contenção.
Um fator complicador pode piorar mais ainda a situação. A Organização Pan-Americana da Saúde fez uma análise de como reagir a uma pandemia. Os danos vão além dos diretamente infectados. Por exemplo, alguém que sofreu um acidente pode não receber tratamento adequado por causa da sobrecarga que a pandemia faz no sistema da saúde.
Os serviços essenciais podem ficar comprometidos por falta dos técnicos que adoeceram. Para manter o bombeamento de água para cidades, Internet e telefonia funcionando, consertar falhas no sistema elétrico e abastecer meios de transporte precisamos de gente sadia. A maioria das 3.000 mortes oficiais causadas pelo Furacão Maria em Puerto Rico durante 2017 foi o resultado do colapso de serviços essenciais.
A Agência Federal de Gestão de Emergência dos EUA listou sete linhas-chave de serviços essenciais: (a) Segurança e Proteção; (b) Comida, Água, Abrigo; (c) Saúde e Medicamentos; (d) Energia; (e) Comunicações; (f) Transporte; e (g) Materiais Perigosos. Estamos precisando urgentemente de uma análise destas linhas para verificar vulnerabilidades a esta pandemia e como solucioná-las. Não podemos ser complacentes.
Como o diretor da OMS colocou numa declaração no dia 5 de março, precisamos de todas as esferas de governo, liderados pelos governadores e prefeitos, para conter os impactos dessa pandemia na região. Esperamos ter resultados como o de Singapura e não a situação da Itália, onde médicos, obrigados a fazer triagem de quem pode usar os poucos respiradores disponíveis, decidem quem terá uma chance ou não.
Passou o momento de preparação. A hora é de ação. Pânico ou negação não resolverá nada. As agências de saúde não vão conseguir solucionar os problemas de serviços essenciais, elas vão ter problemas suficientes só mantendo ações diretamente ligadas a saúde. Governadores e os Prefeitos têm que implementar planos integrados de contingência. Se os bons exemplos de outros países não servirem aqui, o custo da omissão e procrastinação será medido em fatalidades que poderiam ter sido evitadas.
(*) Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (UFAC).
(**) Paulo Henrique Sampaio Valadares – Médico, Especialista em Saúde Pública (UFAC), Mestrando em Ciências da Saúde na Amazônia Ocidental pela UFAC.