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O agronegócio precisa de CO2 e está ameaçado por ele

Foster Brown

CO2, também conhecido como gás carbônico ou dióxido de carbono, é o constituinte do ar que tem gerado as maiores discussões no mundo por causa da sua relação com a mudança climática.  Um outro papel menos conhecido deste gás traço envolve a produção de comida e o agronegócio diretamente.  Para entrar nesta discussão, vamos precisar usar alguns conceitos-chave.

O primeiro conceito envolve a concentração de CO2 no ar.  CO2 é um gás traço que se mede em partes por milhão de volume, abreviadas como ppm. Para visualizar esta quantidade, imaginem um volume de água em um recipiente de um metro de largura por um metro de comprimento e um metro de altura. Um mililitro – uma fração de água numa seringa pequena – seria equivalente a um ppm neste volume.  Parece muito pequeno, mas coisas pequenas muitas vezes têm impactos grandes.

Quando me formei em 1973 a concentração média mundial de CO2 na atmosfera foi cerca de 330 ppm. O valor em 2018 subiu até 408 ppm. Durante a minha vida adulta, a concentração de CO2 aumentou cerca de 78 ppm, ou seja, quase 24% (ver o gráfico anexo). Mais recentemente, de 2010 a 2014, a média mundial subiu numa taxa de 22 ppm por década e a taxa nos últimos cinco anos alcançou 27 ppm por década.

Se continuarmos com estas taxas, em cinquenta anos, dentro da média de vida esperada para jovens adultos de hoje, vamos ter níveis de CO2 bem acima de 500 ppm, quase o dobro do valor observado antes do início da era industrial. O segundo conceito-chave é que são as mudanças de concentração que causam preocupação.

A fonte principal deste aumento vem da queima de gasolina, carvão e petróleo – combustíveis fósseis – e o desmatamento.  Nas últimas décadas, já emitimos mais CO2 destas fontes do que acumulou na atmosfera, sendo o excedente dissolvido nos oceanos e acumulado nas florestas restantes.

E como isto se relaciona ao agronegócio? Normalmente pensamos que plantas, como a soja e o milho, crescem de baixo para cima.  Mas no caso de carbono, que contribui quase com metade do peso seco da planta, elas crescem de cima para baixo. As plantas precisam absorver CO2 do ar nas suas folhas para transformá-lo via fotossíntese em partes da planta. Sem CO2 não teríamos o agronegócio, nem a vida como conhecemos neste planeta: pensem num planeta sem cultivos, florestas, savanas ou pampas.  Portanto a pouca concentração de CO2 no ar faz muita diferença.

Neste caso, se a concentração de CO2 está aumentando, deve fazer bem para o agronegócio, certo? Afinal o CO2 serve como adubo, mesmo sendo um gás invisível.  Existem evidências que de 1980 a 2006 a produção de soja no Brasil se beneficiou deste CO2 adicional, aumentando cerca de 5%.  A composição dos grãos é também afetada com mais CO2, reduzindo no milho, por exemplo, o conteúdo de proteína mas não a proteína na soja.

Também o planeta está ficando mais verde nestas últimas décadas, segundo dados oriundos de satélites. Parece que o aumento de CO2 tem contribuído para gerar mais folhas verdes não só na agricultura, mas em florestas também. Foi descoberto, porém, que o programa maciço de reflorestamento na China e a intensificação da agricultura na Índia e China têm grandes papéis neste esverdeamento da Terra.

Além de agir como adubo, alguns estudos indicam que o aumento de CO2 ajuda as plantas no uso mais eficiente da água.  As plantas perdem água via transpiração nas folhas através dos estômatos, pequenas aberturas onde o CO2 do ar entra nas folhas.  Maiores concentrações de CO2 entrando significa que as plantas podem fechar os estômatos mais cedo durante o dia, reduzindo a perda de água. Neste contexto isolado, o aumento de CO2 trará benefícios

Esta tendência de reduzir transpiração com o aumento de CO2 ocorre não somente nos cultivos, mas também nas florestas, um fato que complica muito os possíveis benefícios do aumento de CO2. A tendência é que as florestas transpirem menos, o que significa menos vapor de água no ar.

A redução da evapotranspiração de florestas, combinado com desmatamento que reduz o bombeamento de água das florestas para a atmosfera, especialmente na época seca, vai complicar mais ainda a distribuição das chuvas. Estes processos podem acelerar uma tendência que já está acontecendo na parte sul da Amazônia, ou seja, a redução da duração da época de chuvas, com graves implicações para o agronegócio na região, reduzindo a sua produtividade.

As tendências atuais e vários modelos de previsão indicam que teremos nas próximas décadas temperaturas mais altas e menos água disponível durante parte do ano no sul e sudoeste da Amazônia.   Temperaturas mais altas criam estresse térmico nos ecossistemas e sistemas agrícolas, além de acelerar a evapotranspiração.  Quando se comparam estes modelos, verifica-se que o aumento de CO2 pode compensar somente uma parte da perda de produção causada pelo aumento de calor.    Em outras palavras, se um pouco CO2 poderia ser bom para agricultura, muito pode prejudicá-la severamente.

Não conversamos ainda sobre o papel do CO2 no aumento observado da temperatura; isto é algo para um outro artigo. Queira ou não queira, estamos no meio de experimentos não planejados de como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento podem influenciar de diversas maneiras a produção de nossos alimentos e o clima.  Podemos fazer estes experimentos somente uma vez; tomara que possamos aprender em tempo as lições necessárias.

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(*) Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.

Aumento de CO2 na atmosfera registrado no meio do oceano Pacifico, Mauna Loa, Hawaii, desde 1959. Fonte:   https://www.esrl.noaa.gov/gmd/webdata/ccgg/trends/co2_data_mlo.png.

A Gazeta do Acre: