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A nossa humanidade em tempo de Covid-19

Em um momento como este de pandemia é mais que razoável a adoção de uma postura consenciente dos desafios, perigos e consequências de algo que se mostra capaz de afligir irremediavelmente boa parte da população mundial.

E não se olvide. Algo extremamente mais danoso àquela grande parcela desprovida de qualquer resguardo sanitário tido como indispensável à dignidade humana, essa entendida não como uma trivial qualificação normativa, mas como um valor em si que deveria ser indistintamente satisfeito.

A propósito e na tentativa de suscitar um mínimo de reflexão acerca do momento insólito que se vivencia agora, compartilho a própria percepção e alguns dados – esses a título de realce e não de exclusiva informação – a respeito do que vem ocorrendo no mundo, mais precisamente na Europa meridional, na Itália, onde encontro-me para o que seria um percurso regular de estudos e que agora se traduz em incerteza quanto ao ápice e ao declínio de uma emergência sanitária.

Emergência tal, diga-se de passagem, provavelmente previsível e teoricamente inevitável em uma realidade há muito global, com inerentes repercussões outrora prenunciadas pelo sociólogo britânico Anthony Giddens, na obra intitulada The consequences of modernity.

Pois bem. Em informação prestada por Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de casos de Covid-19, fora da China, aumentou 13 vezes, com uma curva epidêmica que levou 67 dias para atingir os primeiros 100 mil contágios, 11 dias para alcançar 200 mil e 4 dias para perfazer 300 mil contágios.

Atualmente, a propagação do coronavírus, distribuída por continente, contabiliza aproximadamente: 175.213 na Europa; 122.162 na Ásia; 41.894 na América; 1.865 na Oceania e 1.266 na África. Um universo, portanto, de quase 350.000 infectados, segundo dados fornecidos pelo Centro Europeu de prevenção e Controle de Doenças.

Na Itália, da identificação, em 30 de janeiro, de um casal de asiáticos como o primeiro caso de Covid-19 no país, seguida da confirmação, em meados de fevereiro, de um italiano de 38 anos como o primeiro caso de transmissão secundária na região da Lombardia, sucederam-se números assustadores de contágios e mortes.

Há um mês, portanto, do início da epidemia em solo italiano, ocorreu um triste pico de 627 mortes em um só dia. São mais de 60.000 casos de coronavírus e quase 6.000 mortos contabilizados no país. A Lombardia permanece como a região mais atingida, com quase 30.000 contagiados e perto de 4.000 mortos. A Emilia-Romagna, segunda região mais afetada, supera 8.500 casos diagnosticados e registra quase 900 falecidos, conforme levantamento divulgado no boletim da Proteção Civil italiana.

Diante do que se apresenta e das necessárias medidas de contenção impostas pelo Governo italiano, um drama silencioso, em maior extensão acolá e menor extensão aqui, vem aplacando as famílias que experienciam o adoecer de seus entes queridos e o decorrente deslocamento daqueles em situação mais grave a uma estrutura hospitalar.

Drama para os que atravessam o desenvolver da doença em isolamento e que atingem a finitude da vida em aflitiva solidão, sem a vigília próxima da pessoa que ama. Drama para os que lhes têm negadas a despedida e o sepultamento dos seus.

Uma imagem triste perdura em meus pensamentos: uma lúgubre frota de 30 caminhões do exército, no meio de uma pesarosa noite em Bergamo, transportando aos fornos crematórios de outras localidades 65 caixões de vítimas que não encontravam lugar no exaurido campo santo da própria cidade. Um rumor sombrio de motores que rasgava o manto de silêncio que envolvia toda uma comunidade imersa na dor. Evento esse que, naquela localidade, não ocorreu somente uma vez.

Frise-se. Isso vem acontecendo na região norte de um país como a Itália – onde a estrutura sanitária é considerada ótima e oferecida universalmente –, com quase 6.000 leitos de terapia intensiva em todo o território nacional, dos quais mais de 1.700 distribuídos entre as duas cidades italianas mais comprometidas com a pandemia. Sem falar na ajuda concreta que tem recebido da China, da Rússia, de Cuba e de outros, em termos de médicos e materiais sanitários, conforme veiculado pelo jornal “Corriere della Sera”.

De outro lado, as atuais circunstâncias suscitam grande preocupação em relação à escala danosa de eventual e larga propagação da pestilência na África subsaariana, nos países sul-americanos, dentre os quais: Brasil, Peru, Bolívia, … onde, seguramente, o enfrentamento do problema não encontraria resposta equivalente.

Em relação aos países membros da União Europeia (UE), malgrado a suspensão progressiva do espaço Schengen, todo um suporte de confrontação do problema está sendo levado a cabo pelo Parlamento Europeu e pelo Banco Central Europeu, com a suspensão do pacto de estabilidade e o anúncio de um novo programa de aquisição de títulos públicos e privados, no valor de 750 bilhões de euros, para fazer frente à emergência da pandemia, consoante publicado nos respectivos sítios institucionais.

Quanto aos países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), foram anunciadas algumas medidas acordadas para o confronto da difusão do Covid-19, pelo Ministro das relações exteriores do Paraguai, Antonio Rivas, após uma videoconferência com os chefes de estados e com os ministros das relações exteriores de cada país membro do bloco regional. Dentre os pontos anuídos, foram declaradas ações conjuntas em matéria sanitária; a coordenação entre as autoridades diplomáticas para o repatriação dos respectivos cidadãos retidos depois do fechamento das fronteiras; o empenho de garantir o fluxo de mercadoria dentro do mercado comum e a gestão conjunta da solicitação de crédito extraordinário e emergencial ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao Banco de desenvolvimento da América Latina (CAF) e ao Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA), a teor da matéria veiculada no quotidiano argentino “Clarín”.

De fato, as adversidades sem fronteiras de uma pandemia reclamam medidas concretas e conjuntas. Mais do que isso, exigem uma conscientização individual e coletiva quanto à contenção e combate ao contágio, aliada à comunhão de desígnios em escala não apenas regional, mas verdadeiramente planetária em prol de soluções idôneas para a superação da crise.

Em sendo assim, afigura-se um tanto contraproducente a tentativa de endereçar a algum país a exclusiva responsabilidade pelo advento da pandemia, já que o problema agora interessa a todos indistintamente e independentemente da dimensão em que é afetado. A palavra de ordem, nesse momento, deveria ser “colaboração” e não “desentendimento”. Dos governos, espera-se sensatez, positiva resolutividade e complacência com seus cidadãos. Das pessoas, espera-se coparticipação e responsabilidade.

No mínimo, a atual conjuntura requer um comportamento responsável de cada ser humano que, cônscio da gravidade da situação que o circunda, deveria espontaneamente permanecer em casa, colaborando com a própria prevenção e com a prevenção de outrem. A ginástica ao ar livre, as interações interpessoais não obrigatórias ou sociais certamente podem esperar mais um pouco. O aprovisionamento exagerado sem causa aparente que o justifique só serve ao pânico. E é desumano aproveitar-se da situação calamitosa para satisfazer a própria ganância com a obtenção de lucro excessivo pela venda de insumos terapêuticos.

Enfim, cabe a cada um fazer a sua parte. Ser um agente colaborador e não um indivíduo egoísta e inconsequente. Também é de nossa responsabilidade concorrer para a atenuação do contágio e da propagação da doença. Mais do que nunca, impõe-nos despertar a capacidade humana de perceber a dor do outro, do genuíno sentimento de solidariedade, de proteger o mais frágil, de acudir quem mais precisa. Gestos simples podem ter repercussões profundas no sentir e no viver alheios.

 

(*) Ana Lemos Lovisaro é advogada e doutoranda na Università di Roma “Tor Vergata”.

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